A principal qualidade desses títulos, criados para viabilizar o investimento no setor, é permitir inúmeras possibilidades de financiamento para toda a cadeia produtiva do agronegócio, incluindo produtores, beneficiadores e comercializadores de produtos e insumos aplicáveis na cadeia produtiva do agronegócio. 

No entanto, apesar do potencial desses instrumentos e ainda que a quantidade de operações envolvendo esses títulos tenha aumentado nos últimos anos, como demonstram os números apresentados neste Anuário, é inegável o fato de que esse mercado é ainda incipiente, principalmente levando em consideração: (1) a participação do agronegócio na economia brasileira; e (2) a experiência observada com os títulos do mercado imobiliário, setor este seis vezes menor que o agronegócio na economia brasileira, mas que conta com estoque de títulos pelo menos trinta vezes maior que o seu primo agrícola.

Inúmeras podem ser as razões que explicam a pouca utilização dos títulos do agronegócio e tamanha disparidade entre o dimensionamento atual do mercado dos títulos desse setor e do mercado daqueles do setor imobiliário. 

Dentre as razões existentes pode ser apontado que a atual regulamentação aplicável a esses títulos carece de aprimoramentos visando maior desenvolvimento de seu mercado. Mas o que poderia ser aprimorado na regulamentação desses títulos do agronegócio, que foram criados pela Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994, e pela Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004?

Os principais aprimoramentos desejados pelo mercado referem-se à eliminação de incertezas em geral e à criação de estímulos para empresários do setor e investidores realizarem novas operações envolvendo esses títulos do agronegócio. 

Eliminação de incertezas

No que se refere à eliminação de incertezas, diversos aprimoramentos poderiam ser realizados, principalmente na atual regulamentação: (1) da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aplicável à emissão e oferta pública de CPR-F, WA, CDCA e CRA; e (2) do Conselho Monetário Nacional (CMN) que disciplina os investimentos realizados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Fundos de Pensão).

Alterações na Regulamentação da CVM

Atualmente existem inúmeras incertezas na regulamentação da CVM que, além de prejudicar a estruturação de determinadas operações, ainda geram desconhecimento do mercado acerca do potencial de utilização desses títulos agrícolas no mercado financeiro.

Por exemplo, o mercado constantemente indaga: (1) Como aplicar certos dispositivos da Instrução CVM 414, de 30 de dezembro de 2004 (ICVM 414) às ofertas de CRA, tendo em vista esse normativo ser “emprestado” do mercado imobiliário? (2) Ofertas públicas de CPR-F, WA e CDCA só podem ser realizadas com esforços restritos nos termos da Instrução CVM 476, de 16 de janeiro de 2009 (ICVM 476)? e (3) Se se fizer oferta pública de CPR-F, WA e CDCA, como se dará a divulgação de informações periódicas daqueles emissores que sejam pessoas físicas, cooperativas ou associações?

No que se refere à indagação acerca dos CRA, ressalta-se que, como se sabe, a CVM nunca editou normativo próprio para as ofertas públicas destes títulos. Com exceção do disposto na ICVM 476, que trata da oferta pública restrita, ainda não há norma específica regulamentando a emissão desses títulos. Atualmente, aplica-se ao CRA a própria ICVM 414, “emprestada” desde o dia 21 de novembro de 2008, data em que a CVM comunicou ao mercado que aplicaria na análise dos processos de registro de emissão de CRA as mesmas regras aplicáveis às emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). A manutenção desse “empréstimo” de regulamentação tem se mostrado inadequada em determinadas situações, em virtude de algumas inconsistências que podem ser observadas quando da aplicação da ICVM 414 ao CRA, não estando o referido normativo, assim, apto para regulamentar esse mercado atualmente em ampla expansão. Dentre as principais inconsistências da aplicação da regulamentação “emprestada” às emissões de CRA pode-se citar, entre outras, as restrições existentes para as emissões de CRI de valor unitário inferior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) e as hipóteses em que é permitida a concentração de devedores representando mais do que 20% (vinte por cento) dos créditos imobiliários nas emissões de CRI. No primeiro caso a ICVM 414 somente permite a emissão de CRI abaixo do referido valor quando lastreada em recebíveis vinculados a imóveis com “habite-se” ou integrantes de patrimônio de afetação de incorporadoras, sendo essa regra incompatível com as emissões de CRA, em função das características acima serem inaplicáveis aos lastros dos direitos creditórios do agronegócio. No que se refere às regras de concentração a serem observadas nas emissões de CRI, a ICVM 414 somente permite o aumento de concentração acima de 20% (vinte por cento) caso os devedores dos créditos imobiliários sejam companhias abertas, instituições financeiras e/ou sociedades empresárias (nesse último caso observadas certas circunstâncias). No entanto, essa regra é inadequada ao CRA, tendo em vista que, pela dinâmica do setor, grande parte dos devedores dos créditos lastro dos CRAs são produtores rurais, os quais, quase sempre, são associações, cooperativas e/ou até pessoas físicas. Ou seja, não há como aplicar certos dispositivos da ICVM 414 às ofertas de CRA. Logo, seria muito importante a criação de normativo específico para as operações de securitização do agronegócio, considerando a atual evolução desse mercado, de forma a eliminar as atuais incompatibilidades com a dinâmica do setor e fomentar o seu desenvolvimento.

Além da indagação acima outro questionamento comum é referente à possibilidade da realização de oferta pública de CPR-F, WA e de CDCA que não seja aquela de esforços restritos prevista na ICVM 476. Ou seja, questiona-se se seria possível registrar uma oferta pública de tais títulos na CVM com a utilização de prospecto e a realização de esforços de venda sem qualquer limitação. Apesar de tais operações serem permitidas tendo em vista a aplicação geral da Instrução CVM 400, de 29 de dezembro de 2003 (ICVM 400), a CVM poderia eliminar a atual incerteza do mercado em geral regulando especificamente essas operações. Pois como não há normativo específico regulamentando esse tipo de operação, os participantes do mercado financeiro têm a falsa impressão de que tais tipos de operações não são possíveis de serem realizados. Assim, em muitos casos, utilizam outros instrumentos financeiros mais difundidos no mercado, tais como as debêntures, gerando uma ineficiência em alguns casos (por exemplo, uma emissão de CDCA poderia ser utilizada em substituição às debêntures, gerando benefício fiscal para investidores que sejam pessoas físicas). Uma forma de regulamentar essas operações poderia ser através da alteração da Instrução CVM 422, de 20 de setembro de 2005 (ICVM 422), que regulamenta a nunca utilizada nota comercial do agronegócio (Agrinote). Nesse caso, poderia a CVM ampliar o escopo de ampliação dessa norma, regulando, assim, a realização dessas operações com esforços de venda irrestritos.   

Completando os questionamentos aplicáveis à regulamentação da CVM, indaga-se ainda quais regras que deveriam ser aplicadas para a divulgação de informações periódicas por emissores de CPR-F, WA e de CDCA que sejam enquadrados como pessoas físicas, cooperativas ou associações. Para esses casos, de fato, ainda não há definição específica, tendo em vista que a Instrução CVM 480, de 07 de dezembro de 2009 (ICVM 480) e a própria ICVM 476 não estabelecem regras específicas aplicáveis para os mesmos.

Alterações na Regulamentação dos Fundos de Pensão

Os Fundos de Pensão estão entre os investidores mais importantes do mercado financeiro em razão da quantidade de recursos disponíveis para investimento e da necessidade constante de diversificar o seu portfólio. Atualmente, a alocação dos investimentos dos Fundos de Pensão é regulada pela Resolução CMN 3.792, de 24 de setembro de 2009 (Resolução 3.792). Apesar de os títulos do agronegócio estarem incluídos no rol de ativos que podem ser objeto de investimento por essas fundações, há incerteza se as CPR-F, WA e os CDCA somente poderiam ser adquiridos no caso de seus emissores serem constituídos como sociedades anônimas de capital aberto. Em virtude dessa aparente vedação, que também existe para determinadas emissões de debêntures, fica inviabilizada a realização de diversas operações utilizando esses títulos quando o investidor for um fundo de pensão.

Aumento de estímulos

Pode-se dizer que a atual regulamentação dos títulos do agronegócio estimula pouco a utilização desses ativos, tanto pelos participantes da cadeira produtiva, quanto pelos investidores em geral do mercado financeiro.

Por exemplo, como a maioria dos segmentos do agronegócio envolve a comercialização de commodities precificadas internacionalmente, os empresários de tais segmentos geralmente não desejam utilizar os títulos do agronegócio como forma de financiamento em razão de a regulamentação aplicável a esses instrumentos não permitir expressamente a sua emissão vinculada à variação da moeda estrangeira. Pois a emissão de títulos do agronegócio vinculados à moeda estrangeira é dificultada em virtude das vedações constantes na Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995 (Lei do Plano Real) e no Código Civil Brasileiro, e pelo fato de não existir previsão expressa como nos casos das emissões de debêntures, conforme Lei nº 6.404, de 15 de setembro de 1976.

Já pelo lado dos investidores, como, por exemplo, instituições financeiras, investidores não residentes e pessoas físicas, existem poucos estímulos para o investimento nesses títulos, principalmente pelo fato de existirem outros produtos do mercado financeiro que agregam maiores estímulos em sua aplicação.

Como se sabe, a legislação brasileira exige que parcela da carteira de depósitos das instituições financeiras seja direcionada para o financiamento do agronegócio (assim como ocorre no setor imobiliário). No entanto, há grande diferença entre as regras para cumprimento das exigibilidades do setor imobiliário e para o cumprimento das exigibilidades do agronegócio. O grande mérito do direcionamento do crédito imobiliário é a possibilidade de as instituições financeiras cumprirem suas exigibilidades com a aquisição de operações de mercado, tais como determinadas emissões de CRI, o que permite que as instituições financeiras “terceirizem” a seleção, originação e acompanhamento dos créditos para terceiros especializados nesse tipo de setor (no caso, as securitizadoras). Para o agronegócio, em contrapartida, como não há a mesma regra existente do setor imobiliário, determinadas instituições financeiras optam por deixar esses recursos recolhidos no Banco Central, ao invés de liberá-los para o setor. Assim, o volume de operações envolvendo a emissão dos títulos do agronegócio cresceria sensivelmente caso fosse permitido que as instituições financeiras cumprissem com suas exigibilidades do agronegócio através da aquisição de um ou mais dos citados títulos do agronegócio.

No caso dos investidores não residentes, a regulamentação atual dos títulos do agronegócio parece desconhecer o fato de que tais investidores estrangeiros sempre representaram parcela preponderante do financiamento do agronegócio. Em tese, como já mencionado acima, há a dificuldade de emissão de tais títulos indexados em moeda estrangeira. Além disso, ainda que fosse possível a emissão de tais títulos em moeda estrangeira (caso por exemplo de emissões que sejam estruturadas em decorrência da previsão específica do Decreto-Lei nº 857, de 11 de setembro de 1969) ainda há maior incentivo para esses investidores em adquirir produtos do mercado financeiro tais como as operações de pré-pagamento de exportação, que lhe conferem isenção de imposto de renda para os rendimentos oriundos desse financiamento.

Já no caso das pessoas físicas, apesar de existir benefício fiscal específico para esses investidores quando da aquisição desses títulos, o investimento nesse tipo de produto ainda é restrito para grandes investidores, não existindo estímulo para que o pequeno investidor invista. Uma das formas que poderia estimular o pequeno investidor para ingressar nesse mercado seria a criação de veículo de investimento aos moldes dos fundos de investimento imobiliário, permitindo a aglutinação da poupança dos investidores do varejo (principalmente conferindo aos investidores os mesmos benefícios fiscais existentes no fundo imobiliário).

Tendo em vista a importância do agronegócio para a economia brasileira e as inúmeras possibilidades de estruturas que podem ser criadas com os títulos do agronegócio, esse mercado ainda tem a capacidade de crescer nos próximos anos. No entanto, ainda há trabalho a se fazer de forma a tornar o investimento nesses títulos mais difundido, incluindo o aprimoramento de certos aspectos da legislação, conforme exposto acima. E, a depender das alterações que venham a ser realizadas, esse mercado de títulos do agronegócio pode crescer ainda mais, podendo algum desses ativos figurar entre os tipos de investimentos mais populares do mercado financeiro brasileiro.

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