Por Marcelo Cosac e Camilla de Campos Escudero Paiva, do escritório Madrona Advogados.

Publicado originalmente no Anuário Uqbar CRI 2018.

INTRODUÇÃO

O ano de 2017 foi marcado por importantes alterações (e perspectivas de alterações) na regulamentação do mercado de capitais brasileiro. Em relação ao mercado de capitais voltado ao setor imobiliário houve um especial esforço dos órgãos reguladores em aperfeiçoar e desenvolver o referido setor de forma organizada, sem prejuízo da proteção do investidor. Neste sentido, pode-se destacar a iniciativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em aprimorar determinadas regras relacionadas ao nível de informação prestado aos investidores em emissões de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), sem falar nas recorrentes decisões balizadoras do conceito de créditos imobiliários e do atendimento aos princípios e objetivos da Lei nº 9.514.

Em paralelo, durante os últimos anos o governo brasileiro procurou adotar medidas econômicas para estimular a economia do país, o que trouxe esperança ao mercado. Nessa linha, havia especial interesse do governo em fomentar o mercado imobiliário, que estava relativamente estagnado. Em razão disso, dentre as medidas anunciadas, estava a criação da Letra Imobiliária Garantida (LIG), que foi regulamentada pelo Banco Central do Brasil (BCB) em 29 de agosto de 2017. O principal objetivo da criação da LIG é o aumento do crédito para o setor imobiliário.

Além da análise do impacto da LIG no mercado imobiliário, em especial no que diz respeito aos CRI, e suas principais características regulamentadas pelo BCB, trataremos neste artigo de outros dois pontos relacionados à regulamentação do mercado imobiliário relevantes no ano de 2017: (i) a decisão da CVM no processo nº 19957.009618/2016-30, cujo objeto era o pedido de registro de oferta de CRI; e (ii) as alterações propostas pela CVM na Instrução CVM nº 414, de 30 de dezembro de 2004 (Instrução CVM 414), no que diz respeito às companhias securitizadoras de créditos imobiliários e as regras informacionais referentes às emissões de CRI.

LETRA IMOBILIÁRIA GARANTIDA (LIG)

Atendendo ao disposto na Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015 (Lei nº 13.097), o CMN aprovou a publicação pelo BCB, em 29 de agosto de 2017, da Resolução nº 4.598 (Resolução), que entrou em vigor na data de sua publicação, 31 de agosto de 2017, que regulamenta a emissão das LIG por bancos múltiplos, bancos comerciais, bancos de investimento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, caixas econômicas, companhias hipotecárias e associações de poupança e empréstimo.

Esta talvez tenha sido a regulamentação mais relevante e aguardada pelo mercado imobiliário no ano 2017, uma vez que a intenção da LIG é funcionar como um instrumento complementar às fontes de recurso destinadas ao mercado imobiliário, além de ser um investimento seguro aos seus titulares, já que possui dupla garantia.

A expectativa dos participantes do mercado imobiliário era alta em relação à regulamentação da LIG pelo CMN já que a Lei nº 13.097 deixou em aberto diversos aspectos relevantes sobre a emissão das LIG para que o CMN regulamentasse, como, por exemplo, os critérios de elegibilidade e composição da carteira de ativos que garantem a LIG, condições de substituição e reforço dos referidos ativos, administração e prestação de informações pela instituição emissora aos investidores.

A LIG foi criada com o objetivo de fomentar o mercado imobiliário, criando uma nova fonte de financiamento que deve ser mais barata e segura aos investidores. Em linha com o disposto na Lei nº 13.097, a Resolução define a LIG como sendo “título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, garantido por carteira de ativos submetida ao regime fiduciário”, inspirada nos covered bonds, instrumentos de captação largamente utilizados no exterior. As instituições financeiras autorizadas a emiti-la deverão observar, dentre outras condições para emissão previstas na Resolução, que a soma dos valores dos ativos que integram as carteiras de ativos garantidoras das LIG não pode superar os seguintes limites em relação ao ativo total da instituição emissora: (i) 10% do ativo total da instituição emissora enquadrada no segmento S1 – instituições financeiras que tenham porte igual ou superior a 10% do PIB ou que exerçam atividade internacional relevante, independentemente do porte; e (ii) 30% do ativo total da instituição emissora enquadrada nos demais segmentos estabelecidos pelo BCB na Resolução 4.553, de 30 de Janeiro de 2017 (instituições financeiras que tenham porte inferior a 10% do PIB, em diversos níveis).

Dentre outras características, a mais típica dos covered bonds que a LIG traz para o mercado brasileiro é a sua dupla garantia. Com efeito, a LIG é garantida (i) tanto por ativos, em especial créditos imobiliários, organizados em um cover pool (carteira de ativos), (ii) quanto pela manutenção da instituição emissora como responsável perante os investidores pelo adimplemento das LIG emitidas, no caso de a carteira de ativos ser insuficiente para o pagamento da LIG. A garantia estabelecida no item (i) ganha especial importância pelo fato de que a norma exige a instituição do regime fiduciário sobre a carteira de créditos vinculada ao pagamento da LIG, nos termos do artigo 68 da Lei nº 13.097, fazendo com que a carteira responda somente pelas obrigações decorrentes da própria LIG. Esta característica aproxima ainda mais a LIG do CRI, muito embora no caso de emissões de CRI a instituição do regime fiduciário seja facultativa (entretanto, na prática, as emissões de CRI são realizadas em sua vasta maioria, senão na totalidade, com a instituição de tal regime, que confere um nível de segurança jurídica aos investidores que dificilmente deva ser dispensado quando da decisão de investimento).

No mercado estrangeiro, especialmente na Europa, os covered bonds representam uma parcela importante da totalidade do financiamento imobiliário. Mais um motivo pelo qual há uma real expectativa de que a LIG possa contribuir como um instrumento de financiamento relevante e complementar aos instrumentos já existentes no mercado imobiliário brasileiro. Além disso, em razão da LIG ser muito semelhante aos covered bonds e ainda contar com isenção de imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos de capital produzidos para residentes ou domiciliados no exterior (exceto em país com tributação favorecida – “paraísos fiscais”), a criação da LIG pode aumentar a atratividade de investimento estrangeiro para o mercado imobiliário de nosso país.

Outra semelhança importante da LIG com o CRI é que em ambos os casos há isenção de imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos de capital produzidos quando o beneficiário for pessoa física residente no país.

Por outro lado, por ser um instrumento relativamente semelhante ao CRI, há receio de que a LIG possa impactar negativamente o mercado de CRI. Isto porque, diferente do processo de securitização no qual o crédito imobiliário é cedido à companhia securitizadora de créditos imobiliários, na emissão de LIG o crédito se mantém com a própria instituição emissora, integrando o seu balanço patrimonial. Isso permite que a instituição emissora do referido título possa trocar os ativos da carteira de ativos, observados determinados requisitos de substituição e reforço da carteira de ativos estabelecidos na Resolução. Além disso, a LIG conta com garantia da instituição emissora, diferente do CRI, que não conta com tal garantia, o que fatalmente confere maior segurança ao investimento na LIG quando comparado ao investimento em CRI. Contudo, importante enfatizar que não faria qualquer sentido que companhias securitizadoras pudessem se responsabilizar pelo pagamento do CRI, já que tais companhias são basicamente prestadoras de serviços de emissão de tal valor mobiliário e administração das carteiras de créditos vinculadas a tais emissões. Não são as beneficiárias finais das emissões de CRI. Os beneficiários são claramente os cedentes dos créditos para as securitizadoras (basicamente, as empresas de negócios imobiliários, como incorporadoras, properties, loteadoras, dentre outras), que conseguem o desconto imediato de suas carteiras de créditos, ou seja, a monetização de tais créditos. Por outro lado, a beneficiária da emissão de LIG é a própria instituição emissora, que está se utilizando da LIG para levantar recursos para utilização em suas operações. Desta forma, faz todo sentido econômico que tais instituições se responsabilizem pelo pagamento do título caso a carteira a ele vinculada não seja suficiente.

No entanto, a Resolução permite que as companhias securitizadoras de créditos imobiliários atuem como agente fiduciário nas emissões de LIG, de forma a permitir que referidas companhias expandam sua área de atuação. Toda e qualquer emissão de LIG deverá contar com a presença de um agente fiduciário que deverá contar com um patrimônio líquido equivalente a, no mínimo, R$1.500.000,00. A atuação de companhias securitizadoras de créditos imobiliários como agente fiduciário de emissões de LIG depende de prévia autorização do Banco Central do Brasil.

Um aspecto que merece atenção foi o fato de não ter havido uma reforma na Resolução CMN nº 3.932/2010. Tal normal trata do direcionamento dos recursos captados pelas entidades integrantes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) junto às cadernetas de poupança, e o artigo 9º, inciso II, alínea (b) do anexo à referida norma, determina que o saldo credor de Letras de Crédito Imobiliário (LCI) seja deduzido dos montantes computados para os fins do direcionamento exigível destes recursos. Tal exigência não foi estendida às LIG. Sendo assim, fica a dúvida se os créditos oriundos dos recursos decorrentes de tal direcionamento obrigatório poderiam ser utilizados como lastro de emissões de LIG.

Destacamos abaixo, de forma resumida, alguns dos principais aspectos referentes à LIG regulamentados pelo BCB:

Remuneração

No que diz respeito à remuneração da LIG, a Resolução dispõe que esta poderá ser baseada em taxa de juros fixa ou flutuante, ainda que não combinadas, bem como em taxas diversas, desde que publicamente conhecidas e calculadas regularmente. O prazo médio ponderado mínimo da LIG deve ser de 24 (vinte e quatro) meses.

Vencimento Antecipado

O vencimento antecipado da LIG só pode ocorrer na hipótese de insolvência da carteira de ativos, conforme disposto no artigo 36 da Resolução (inadimplência no pagamento da LIG ou descumprimento do requisito de suficiência).

Programa de Emissão

A Resolução inovou em relação à Lei nº 13.097 ao permitir a instituição de Programas de Emissão de LIG quando a instituição emissora pretender realizar emissões de LIG em séries. Nestes casos, todas as LIG emitidas no âmbito do Programa de Emissão de LIG serão garantidas pela mesma carteira de ativos, além de possuírem a mesma forma, periodicidade, local de pagamento, valor nominal, taxa de juros e datas de emissão e vencimento. 

Carteira de Ativos e Critérios de Elegibilidade e Composição

No que diz respeito à carteira de ativos que garante a LIG, a Resolução estabeleceu diversos requisitos que devem ser observados em sua composição, sob pena de a instituição emissora ser impedida de realizar novas emissões. Dentre os requisitos estabelecidos, cabe destaque aos requisitos de elegibilidade e composição. A Resolução prevê que a soma dos valores nominais atualizados dos créditos imobiliários integrantes da carteira (incluindo os instrumentos derivativos) deve representar, no mínimo, 80% (oitenta por cento) do valor nominal atualizado total da carteira de ativos. Para fins de emissão de LIG, o BCB definiu “créditos imobiliários” como sendo aqueles constituídos por meio das operações de: (i) financiamento para a aquisição de imóvel residencial ou não residencial; (ii) financiamento para a construção de imóvel residencial ou não residencial; (iii) financiamento a pessoa jurídica para a produção de imóveis residenciais ou não residenciais; e (iv) empréstimo a pessoa natural com garantia hipotecária ou com cláusula de alienação fiduciária de bens imóveis residenciais, típica operação conhecida no mercado como “home equity”. Além dos créditos imobiliários e dos instrumentos derivativos, cujo percentual acima mencionado deve ser observado, a carteira de ativos deve conter também (i) títulos de emissão do Tesouro Nacional e (ii) disponibilidades financeiras provenientes dos ativos que integram a própria carteira em valor correspondente aos compromissos garantidos a vencer nos próximos 180 (cento e oitenta) dias.

Ainda em relação à composição da carteira, é importante destacar que esta deve ser suficiente para atender todos os compromissos relacionados às LIG por ela garantidas, sem prejuízo de a instituição emissora responder pelo adimplemento de todas as obrigações decorrentes da LIG na hipótese de insuficiência, conforme acima discutido. O atendimento a este requisito deve observar os percentuais previstos na Resolução. Para fins de verificação do requisito de suficiência, a instituição emissora deverá realizar testes periódicos de estresse na carteira (pelo menos um teste a cada trimestre).

Houve especial preocupação do órgão regulador em estabelecer critérios de controle da carteira de ativos e de prestação de informações aos investidores, uma vez que à instituição emissora da LIG é permitida a substituição de ativos integrantes da carteira ou seu reforço, na hipótese de descumprimento dos critérios de composição da carteira.

Obrigações da Emissora

Dentre as obrigações atribuídas à instituição emissora da LIG, na qualidade de administradora da carteira de ativos, estão as de: (i) manter controles contábeis que permitam: (a) a identificação dos ativos integrantes da carteira de ativos; (b) a identificação dos recursos financeiros provenientes dos ativos da carteira de ativos; (c) a verificação do atendimento à condição de emissão de LIG; (d) a verificação do atendimento aos requisitos da carteira de ativos; e (e) a identificação dos títulos de emissão do Tesouro Nacional componentes da Reserva de Liquidez, caso opte pela faculdade prevista no artigo 44 da Resolução (manutenção de reserva de liquidez em substituição aos recursos provenientes da carteira de ativos); (ii) divulgar, em notas explicativas às demonstrações financeiras, informações que evidenciem a situação da carteira de ativos, relativamente ao cumprimento dos requisitos estabelecidos na Resolução, das LIGs por ela garantidas, bem como a relação percentual entre a soma dos ativos que integram a carteira de ativos e o ativo total da instituição.

Prestação de Informações (“disclosure”)

No que diz respeito à prestação de informações aos investidores, a Resolução estabeleceu que a instituição emissora da LIG deve elaborar, trimestralmente, para cada emissão de LIG, um relatório aos investidores da LIG que evidencie a situação da carteira de ativos e das LIG por ela garantidas, contendo, no mínimo, (i) a avaliação dos riscos relacionados à emissão de LIG ou ao Programa de Emissão de LIG e dos correspondentes mecanismos de mitigação utilizados; (ii) a verificação do atendimento dos requisitos da carteira; e (iii) a verificação do cumprimento das condições estabelecidas nas LIG. A instituição está obrigada, ainda, a divulgar imediatamente ato ou fato relevante que possa representar alteração significativa na situação da carteira ou das LIG.

  1. DECISÃO CVM – PROCESSO Nº 19957.009618/2016-30

Outro destaque no ano de 2017 foi a decisão da CVM no processo nº 19957.009618/2016-30, que tratava do pedido de registro de CRI lastreados em debêntures.

Na operação objeto do processo acima referido, a companhia devedora (Devedora) emitiu debêntures com o objetivo de utilizar os recursos decorrentes da referida emissão para adquirir um imóvel de titularidade de um fundo de investimento imobiliário do qual era a única cotista. Ou seja, a intenção foi de financiar a aquisição pela Devedora de um imóvel que já era, ainda que indiretamente, de sua própria titularidade.

A Devedora – após recomprar as debêntures dos debenturistas em razão da existência de cláusula de repactuação na respectiva escritura de emissão – pretendia cedê-las à companhia securitizadora emissora dos CRI, para que esta, por sua vez, utilizasse os direitos creditórios decorrentes das debêntures para lastrearem a emissão de CRI. A destinação dos recursos dos CRI seria o reembolso do montante dispendido para aquisição do referido imóvel.

Em sua decisão, o Colegiado da CVM acompanhou o voto do então presidente Leonardo Pereira, que em sua manifestação de voto, alega que esta debênture não configura lastro hábil ao CRI, uma vez que a destinação dos recursos dos CRI seria única e exclusivamente a capitalização da Devedora. Além disso, não havia na operação pretendida qualquer finalidade de desenvolvimento do mercado imobiliário, fator que deve ser primordialmente observado nas operações de CRI lastreadas em créditos imobiliários em sua destinação.

Ainda, o Colegiado argumentou que a operação foi estruturada artificialmente, visando apenas a obtenção de um empréstimo mais barato para a Devedora, não sendo, assim, observado o principal objetivo da Lei nº 9.514/97, que é financiamento do desenvolvimento do mercado imobiliário.

No conhecido caso da decisão da CVM na emissão de CRI lastreada em dívida corporativa da Rede D’Or, cuja destinação dos recursos seria a compra de terrenos e construção e ampliação de hospitais, a CVM barrou a emissão sob a alegação de que o pagamento aos investidores do CRI não seria feito com recursos decorrentes de atividade imobiliária, uma vez que seriam pagos com valores decorrentes das atividades hospitalares da devedora. Ao longo dos anos, a CVM evoluiu em suas decisões e passou a permitir a emissão de CRI cuja destinação dos recursos fosse imobiliária. No caso acima (processo nº 19957.009618/2016-30), a CVM não só reafirma sua posição de que é possível a emissão de CRI com destinação imobiliária, como também enfatiza o fato de que esta destinação deve buscar o desenvolvimento e fomento do mercado imobiliário brasileiro, ‘condenando’ a utilização do CRI de forma contrária aos objetivos legais, dando maior atenção aos casos em que as operações são estruturadas de forma artificial.

Mais uma vez é possível notar a preocupação da CVM, como órgão regulador e fiscalizador, em linha com os objetivos do governo mencionados na introdução deste artigo, de sempre cumprir o objetivo da Lei nº 9.514/97 e fomentar o desenvolvimento do mercado imobiliário, não permitindo, portanto, a colocação no mercado de títulos que possam desviar as finalidades legais apenas em benefício das companhias devedoras (originadoras dos créditos).

  1. COMPANHIAS SECURITIZADORAS DE CRÉDITOS IMOBILIÁRIOS – AUDIÊNCIA PÚBLICA SDM 01/2017

Em 12 de maio de 2017, a CVM colocou em audiência pública uma minuta de instrução que visa regular as ofertas públicas de certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) (Minuta). Além de representar um avanço na regulamentação relativa às ofertas de CRA, uma vez que, até hoje, é utilizada para estes valores mobiliários as regras e normas editadas para regular as emissões de CRI, a referida Minuta traz propostas de alterações na Instrução CVM nº 414, que regulamenta os CRI, e na Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, no que diz respeito ao regime informacional das companhias securitizadoras de créditos imobiliários com relação aos CRI por elas emitidos.

Embora o assunto seja de extrema relevância, o objetivo aqui não é discutir a regulamentação proposta pela CVM para as ofertas de CRA, mas, sim, demonstrar as alterações que a CVM pretende implementar no regime informacional das companhias securitizadoras de créditos imobiliários. É importante destacar que, uma vez que o CRI e o CRA são produtos bem semelhantes (inclusive pelo fato de, até hoje, serem regidos pela mesma norma – Instrução CVM 414), há uma tendência de a CVM cada vez mais aplicar as regras de um deles ao outro, obviamente observadas suas peculiaridades. Neste sentido, é possível que, no futuro, a CVM venha a atualizar as regras aplicáveis aos CRI para refletir determinados aprimoramentos trazidos pela futura norma dos CRA, caso seja aprovada e editada pela CVM como proposta na forma da Minuta.

No que diz respeito ao regime informacional aplicável às companhias securitizadoras de créditos imobiliários, o objetivo da CVM é fazer determinados aprimoramentos de forma que informações mais claras e precisas sejam transmitidas aos investidores dos CRI. Neste sentido, a principal alteração proposta pela Minuta é de que as demonstrações financeiras dos patrimônios separados constituídos pelas companhias securitizadoras de créditos imobiliários e vinculados a cada emissão de CRI deixem de acompanhar as demonstrações financeiras da companhia securitizadora. Para tanto, as referidas companhias securitizadoras deverão elaborar demonstrações financeiras independentes para cada um dos patrimônios separados, que deverão ser elaboradas com base nas práticas contábeis aplicáveis às companhias abertas e auditadas por auditores independentes registrados na CVM, além de serem disponibilizadas à CVM através da rede mundial de computadores.

Mais uma vez, nota-se a preocupação do legislador em aprimorar as informações transmitidas aos investidores, de forma a trazer maior segurança ao mercado de capitais brasileiro, tornando-o mais atrativo. No entanto, embora a alteração acima mencionada pareça, em um primeiro momento, uma alteração positiva, há certa preocupação no sentido de que a elaboração e auditoria de demonstrações financeiras individualizadas para cada um dos patrimônios separados encareça as emissões de CRI já que, para que consigam cumprir com a nova diretriz, se assim for aprovada, as companhias securitizadoras devem sofrer um aumento em seus custos operacionais, o que, consequentemente, deve refletir na conta final das emissões.

Além das alterações relacionadas ao regime informacional das companhias securitizadoras de créditos imobiliários, a Minuta propõe a proibição às companhias de adquirirem direitos creditórios de partes a ela relacionadas para lastrearem suas emissões. O objetivo desta alteração é mitigar situações de conflito de interesses. Assim como no ponto levantado no parágrafo anterior, embora a intenção da CVM nesta proposta de alteração seja muito positiva, é importante lembrar que certas companhias securitizadoras de créditos imobiliários pertencem ao mesmo grupo de outras instituições financeiras e, desta forma, acabam atuando em conjunto nas mesmas operações, de forma a dar maior eficiência às operações de securitização. Caso a referida alteração seja aprovada, estas estruturas podem cair por terra, com risco de reduzir o volume de emissões no mercado.

Cabe ressaltar que os assuntos abordados neste item ainda são objeto de audiência pública pela CVM, que está analisando os comentários recebidos dos participantes do mercado no âmbito da referida audiência pública.

  1. CONCLUSÃO

O ano de 2017 foi um ano de importantes movimentações regulamentares relacionadas ao mercado imobiliário. Nota-se um engajamento dos órgãos reguladores no sentido de fomentar e aprimorar o mercado de capitais relacionados ao setor imobiliário no Brasil, cuidando para que sejam elaboradas normas com este objetivo e fiscalizando a regular aplicação destas de forma a atender aos referidos objetivos.

Acima de tudo, há uma preocupação em proteger e informar o investidor, ponto primordial para o desenvolvimento do mercado de capitais, já que quanto mais seguro estiver o investidor, maior deve ser seu apetite para investir (dentre outros fatores macro e microeconômicos que obviamente também devem ser levados em consideração pelo investidor).

A regulamentação da LIG, com o objetivo de inovar e fomentar o financiamento imobiliário, sem dúvida foi o marco regulamentar do ano de 2017 e, quiçá, dos últimos anos, dado que o CRI (teoricamente uma das fontes mais “modernas” de financiamento) já completou seu vigésimo ano de vida em 2017. Além disso, as operações de CRI são estruturadas e complexas. Pelo fato de a LIG ser um título mais simples, já que acima de tudo conta com a garantia de pagamento da própria instituição emissora, espera-se funcionar como um instrumento de atração de mais investimentos para o segmento imobiliário.

Por fim, muito embora não se trate de um evento regulamentar ocorrido no ano de 2017, considerando que este artigo foi elaborado neste ano de 2018, vale mencionar que no início deste ano a CVM decidiu em um processo específico (Processo SEI 19957.008927/2017-73) por considerar os empréstimos garantidos por garantia real sobre imóveis (conhecidos como créditos “home equity”, conforme acima comentado) como créditos imobiliários e, portanto, passíveis de lastrear emissões de CRI. Referido processo trata de operação de crédito concedido a pessoa natural por instituição financeira garantida por alienação fiduciária de imóvel, ou seja, o tomador já é proprietário do imóvel e usa tal ativo como garantia para obter uma linha de crédito pessoal. Muito embora a decisão não tenha sido unânime (três dos cinco diretores da CVM votaram a favor, enquanto que o Presidente da CVM e mais um diretor votaram contra e seguindo orientação da Superintendência de Registro de Valores Mobiliários da CVM), a decisão é importante pois é a primeira vez que a CVM se manifesta formalmente sobre o assunto. A expectativa, portanto, é que tal decisão deva impulsionar ainda mais as emissões de CRI no mercado, já que esse precedente coloca formalmente o home equity no rol de créditos imobiliários passíveis de lastrear emissões de CRI.

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