Por Luis Carlos Bellini Junior¹ e Marcelo Cosac Said²

1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos, muito tem se discutido acerca da definição de créditos imobiliários para fins de seu aproveitamento na emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários (“CRI”). A tão comentada falta de definição legal deste conceito, de suma importância para o mercado imobiliário e de capitais brasileiro, já gerou diversos questionamentos e interpretações das mais variadas ordens.

Com o desenvolvimento do mercado imobiliário no Brasil, principalmente com a possibilidade de seu financiamento por meio do mercado de capitais – que significa custos de captação mais baixos do que as formas tradicionais de financiamento bancário, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM” ou “Autarquia”) se viu em uma posição de muita demanda pelo mercado para desenvolver o seu entendimento em relação a alguns conceitos importantes que deveriam nortear captações públicas, e a conceituação do que se deve entender por “créditos imobiliários” não fugiu à regra.

Vale ressaltar, de toda forma, que inobstante a importância do CRI como alternativa de financiamento para o setor imobiliário, o setor já contava com outro importante instrumento de captação de recursos para investimento em projetos imobiliários, que é o Fundo de Investimento Imobiliário (“FII”), criado pela Lei 8.668, de 25 de junho de 1993.

A Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997 (“Lei nº. 9.514/97”), dentre outros assuntos, instituiu o CRI, cuja oferta pública foi normatizada pela CVM com a edição da Instrução CVM nº. 414, de 30 de dezembro de 2004 (“ICVM nº. 414”). Contudo, nenhum destes diplomas legais se valeram de uma definição do que poderia ser considerado crédito imobiliário para fins de lastrear a emissão de CRI.

Diante disso, e da necessidade de o mercado testar as estruturas jurídicas que seriam ou não aceitas pela CVM para a emissão de CRI, diversas operações começaram a ser testadas, contando com as mais diferentes estruturas de originação de créditos imobiliários, como intuito de verificar a aceitação da CVM neste sentido.

Como ocorre com o desenvolvimento de todos os mercados regulados, os conceitos relevantes vão se formando ao longo do tempo, sendo que por diversas vezes, entendimentos são mantidos e alterados com bastante frequência, dado a necessidade de acomodação das normas regulatórias às práticas adotadas em cada setor da economia.

De olho nesta necessidade latente, a CVM, ao longo destas últimas décadas, tem alterado de forma relevante, e também curiosa em alguns aspectos, seu entendimento em relação ao conceito de créditos imobiliários, sendo que sua atuação é pautada por dois pilares essenciais: (i) a adequada contribuição do mercado de capitais ao desenvolvimento desse setor tão relevante da economia brasileira; e (ii) a proteção ao investidor desse papel, o CRI.

2. EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO DA CVM

Conforme tratado acima, o entendimento da CVM ao longo dos anos em relação ao conceito de crédito imobiliário tem se adaptado ao desenvolvimento deste mercado e ao constante pleito de seus participantes.

Alguns casos julgados pela CVM ganharam maior repercussão e são emblemáticos quando tratamos da evolução de sua jurisprudência. O primeiro deles a ser mencionado neste estudo, o Processo CVM nº. RJ 2012/12177, julgado em 23 de março de 2013, ficou conhecido como o caso Rede D´Or, onde a CVM analisou a possibilidade de debêntures emitidas pela Rede D’Or serem utilizadas como crédito imobiliário hábil a lastrear a emissão de CRI. Embora a Superintendência de Registro de Valores Mobiliários tenha entendido ser possível a estruturação desta operação, o Colegiado da CVM decidiu por negar o registro da oferta pública de CRI, alegando que, mesmo reconhecendo que os recursos captados seriam utilizados para o desenvolvimento imobiliário (construção de hospitais), “o fluxo de pagamento da operação proposta não estaria relacionado aos imóveis, mas ao fluxo de caixa da Devedora (Rede D’Or), o que não permitiria a caracterização dos recebíveis como sendo de natureza imobiliária”. Essa decisão do Colegiado da CVM deixou bem claro ao mercado que crédito imobiliário só poderia ser assim considerado pela sua origem, ou seja, caso fosse decorrente de relações típicas do setor imobiliário. A ideia desta operação não era a caracterização do crédito imobiliário pela sua origem (conforme tratado acima), mas sim pela sua destinação, uma vez que os recursos que seriam captados com a oferta seriam utilizados para a construção de hospitais, gerando empregos e receita nesse setor, e, portanto, contribuindo para o fomento do setor imobiliário.

Sendo assim, este embate acerca do registro da oferta de CRI com a CVM foi emblemático no sentido de acender o debate sobre a correta caracterização do crédito como imobiliário, se pela sua origem ou se pela destinação dos recursos captados. Este ponto será de extrema importância para o entendimento dos pontos seguintes.

Passados alguns anos, em meados de 2016, a CVM se deparou com uma outra operação similar, porém, com algumas características peculiares. Trata-se do Processo SEI nº. 19957.000587/2016-51, julgado em 16 de agosto de 2016, que analisou uma operação de emissão de CRI com lastro em debentures emitidas pela Cyrela, companhia aberta atuante do mercado imobiliário. Neste caso específico, a CVM decidiu por aceitar o registro desta operação, indicando claramente que a sua aceitação estava relacionada com o fato de que o fluxo de pagamento das debentures utilizadas como lastro do CRI é decorrente do setor imobiliário, o que por si só, em contraposição ao caso acima elencado, seria suficiente para o cumprimento das disposições legais aplicáveis a esta operação. Essa decisão, portanto, foi dada em linha com a decisão no caso da Rede D’Or acima comentado.

Ponto importante a ser destacado no caso acima, é que mesmo este sendo um exemplo típico de crédito imobiliário em sua origem (considerando o ramo de atuação da empresa responsável pelo pagamento do lastro do CRI), por diversas vezes na decisão de referido processo, o Colegiado da CVM se referiu a estes como créditos por destinação. Na fundamentação, o Colegiado esclarece que o crédito é imobiliário em razão da natureza da relação creditícia que lhe deu origem, ou seja, se decorre ou não de uma transação imobiliária, e não simplesmente pelo fato de sua originadora ser uma empresa do setor imobiliário.

O entendimento acima trazido foi utilizado pela CVM no julgamento de outros casos envolvendo emissões de debêntures de empresas atuantes no setor imobiliário como hábeis para lastrear a emissão de CRI. Ocorre que com o passar do tempo, este entendimento foi sendo revisitado pela CVM e expandido em alguns casos, o que forjou o seu atual entendimento em relação a este tema, até o presente momento.

Ao decidir o Processo SEI nº. 19957.001669/2016-13, julgado em 30 de agosto de 2016, que se referia à analise da operação de emissão de Certificado de Recebíveis do Agronegócio (“CRA”) com lastro em debêntures emitidas pelo Burger King, o Colegiado da CVM entendeu possível o registro desta operação, considerando que os recursos obtidos pelo emitente das debêntures seriam utilizados para o fomento do agronegócio, uma vez que seriam destinados para a aquisição de carne in natura diretamente de produtores rurais. Importante ressaltar neste caso, é que o fluxo de recebíveis da empresa emissora das debêntures não está relacionado ao setor agropecuário, uma vez que estamos diante de uma empresa de fast food. Criou-se, portanto, neste caso, um precedente bastante interessante, que não teria motivo para não ser utilizado quando da análise de operações de CRI, dado a similaridade deste com o CRA, que pese a total distinção entre os dois setores da economia (imobiliário e agronegócios).

Na esteira do entendimento acima, a CVM decidiu como possível a extensão do conceito acima para estruturas de CRI, considerando que o simples fato de o fluxo de pagamento do CRI não estar relacionado aos imóveis lastro, mas ao fluxo de caixa do devedor (mesmo não sendo uma empresa do setor imobiliário), não deve ser impeditivo à emissão de CRI, desde que o CRI seja lastreado por crédito imobiliário, podendo tal crédito ser assim caracterizado pela destinação de recursos, e desde que haja efetivo direcionamento dos recursos aos imóveis relacionados à emissão. Este entendimento, inclusive, foi utilizado pela CVM para analisar uma nova operação apresentada pela Rede D’Or, e que nesta segunda submissão ao crivo da CVM, foi aceita e registrada.

Muito embora se trate de um caso que foge um pouco do racional discutido acima, importante citar que a CVM, em processo mais antigo, de 13 de maio de 2003, sob nº. RJ2002/3032, decidiu por indeferir pedido de registro de uma oferta em que os recursos captados seriam utilizados para a reforma e ampliação de um site onde se encontrava instalada uma usina hidrelétrica. O problema neste caso, que impediu o deferimento do registro da oferta pela CVM, e no nosso entendimento de forma bastante acertada, foi que os recursos que lastreariam os CRI decorriam da comercialização de energia elétrica pela usina, e, portanto, sem qualquer relação com uma atividade imobiliária.

3. CRÉDITO IMOBILIÁRIO POR ORIGEM X POR DESTINAÇÃO

Conforme identificamos nos pontos acima abordados, a CVM considerada duas formas de caracterização de crédito imobiliário, para fins de lastrear a emissão de CRI:

(a) Crédito Imobiliário por Origem – aquele que provém da exploração de um imóvel, ou do financiamento de um imóvel, ou seja, tem na sua origem a exploração ou aquisição de um imóvel;

(b) Crédito Imobiliário por Destinação – aquele que, mesmo não sendo decorrente da exploração direta de um imóvel, é destinado ao desenvolvimento de atividades relacionadas ao setor imobiliário, sendo necessário a comprovação de sua destinação a este ramo de atividade, para que a sua caracterização seja possível.

A diferenciação entre estas duas formas de entendimento de crédito imobiliário é de suma importante quando estamos diante da estruturação de uma operação de CRI, uma vez que as obrigações de comprovação de utilização dos recursos decorrentes de captação via um título de dívida que lastreará a emissão de CRI (e.g. tipicamente são utilizadas debêntures ou cédulas de crédito bancário, sem prejuízo da utilização de outros contratos e títulos de dívida) devem ser muito mais rígidas e restritas por estarmos diante de uma estrutura de crédito imobiliário por destinação, do que quando nos deparamos com o crédito imobiliário por origem (por exemplo, a emissão de CRI com lastro em locação de imóvel ou o típico financiamento da compra de imóvel por instituição financeira).

Este entendimento é facilmente compreendido quando pensamos na lógica desta diferenciação. O crédito imobiliário por origem se refere diretamente a um imóvel, não sendo necessário, portanto, vincular a sua destinação ao setor imobiliário, já que isso é inerente à sua natureza. Por outro lado, considerando um crédito que não decorre diretamente do setor imobiliário, necessária a comprovação da sua destinação a este setor para que este possa ser considerado como crédito imobiliário, apto, portanto, a lastrear a emissão de um CRI.

No que se refere ao conceito destas duas formas de caracterização de crédito imobiliário, esse ponto é de suma importância quando passamos a analisar as questões regulatórias decorrentes deste entendimento, principalmente no que se refere ao previsto no Ofício-Circular CVM/SRE nº. 01/18, datado de 27 de fevereiro de 2018 (“Ofício Circular”), que em seu item 21 trata sobre o CRI lastreado em créditos considerados imobiliários por destinação, dentre outros pontos.

No item 21 do Ofício Circular, serão considerados CRIs lastreados em créditos considerados imobiliários por destinação aqueles em que cumulativamente:

(a) seja incluída na documentação da oferta relação exaustiva dos imóveis para os quais serão destinados os recursos oriundos da emissão, de modo a configurar o vínculo previsto pelo inciso I do art. 8º da Lei nº 9.514/1997 (tal item do referido diploma legal exige que seja identificado no Termo de Securitização de Créditos Imobiliários, que é o documento de emissão do CRI, o “devedor e o valor nominal de cada crédito que lastreie a emissão, com a individuação do imóvel a que esteja vinculado e a indicação do Cartório de Registro de Imóveis em que esteja registrado e respectiva matrícula, bem como a indicação do ato pelo qual o crédito foi cedido);

(b) seja incluída na documentação da oferta a obrigação do Agente Fiduciário de verificar, ao longo do prazo dos CRI (no mínimo trimestralmente), o efetivo direcionamento de todo o montante obtido com a emissão para os referidos imóveis;

(c) seja incluída na documentação da oferta informação sobre a data limite para que haja a efetiva destinação dos recursos obtidos por meio da emissão, que deverá ser no máximo a data de vencimento dos CRI;

(d) seja incluído na documentação da oferta cronograma indicativo (montantes e datas) da destinação dos recursos obtidos por meio da emissão aos imóveis vinculados, definindo precisamente um percentual, relativo ao valor total captado na oferta, que será destinado a cada um dos referidos imóveis;

(e) seja incluída na documentação da oferta informação de que qualquer alteração quanto ao percentual dos recursos obtidos com a emissão a serem destinados a cada um dos imóveis vinculados deverá ser precedido de aditamento ao Termo de Securitização, bem como a qualquer outro documento que se faça necessário;

(f) seja demonstrada a capacidade de se destinar aos imóveis vinculados todo o montante de recursos que será obtido com a emissão, dentro do prazo dos CRI, levando-se em conta, para tal, o montante de recursos até o momento despendido, a necessidade de recursos remanescente de cada um dos referidos imóveis, bem como a destinação de recursos já programada para tais imóveis em função de outros CRI já emitidos.

Conforme verificamos acima, os itens que são elencados no Ofício Circular são bastante restritivos, atribuindo obrigações aos participantes da oferta de CRI, além de determinar antes da emissão do CRI, a destinação pormenorizada dos recursos a serem captados por meio desta operação.

Caso façamos uma análise mais detida aos pontos do Oficio Circular, nos parece extremamente defensável que os requisitos ali previstos para fins de destinação dos recursos deveriam ser observados exclusivamente em operações onde a empresa devedora dos créditos imobiliários não pertença ao setor imobiliário. Neste caso, é de suma importância que haja amarras mais claras para que não tenhamos qualquer risco de utilização dos recursos em atividade diversa daquela prevista na destinação da operação. Isso só se faz necessário uma vez que a atividade principal desta empresa não está relacionada às atividades típicas do setor imobiliário, a fim de vincular os recursos à destinação imobiliária. Contudo, não há como evitar que a empresa destinatária dos recursos captados com a emissão do CRI utilize tais recursos em sua atividade principal, seja ela qual for, em completo desacordo com a intenção do legislador e da CVM.

Em sentido contrário ao disposto no parágrafo acima, difícil entender a motivação da CVM ao determinar o cumprimento dos requisitos acima em sua integralidade para empresas que atuam no setor imobiliário, uma vez que, mesmo estes créditos sendo considerados por destinação, esta destinação será dada para a atividade principal da empresa, ou seja, diretamente relacionado com o setor imobiliário. Assim, impor às empresas do setor imobiliário o cumprimento de todos os requisitos acima, é considerar possível que os créditos recebidos por esta possam ser utilizados em atividade que não seja a sua destinação comercial, o que não deve ocorrer, dado a sua obrigatoriedade de desenvolver as suas atividades de acordo com o seu objeto social. Ou seja, no caso de uma empresa do setor imobiliário, seja uma incorporadora, uma loteadora ou uma empresa de properties, há uma presunção justa e legal de que os recurso captados por essa empresa, via capital (equity) ou dívida (incluindo CRI), são fatalmente utilizados como meio para o cumprimento de seus objetivos sociais, em consonância com seu objeto social que é o desenvolvimento de atividades típicas do setor imobiliário.

Pensando em termos práticos, imaginemos a fictícia operação de emissão de CRI lastreado em debêntures emitidas por uma construtora. Mesmo sendo considerado um crédito imobiliário por destinação, dado que este advém de uma dívida corporativa e não da exploração direta de um imóvel, a atividade fim desta empresa é imobiliária, sendo que, nos termos de seus documentos societários, esta deve executar seu objeto social, e para tanto, poderá captar recursos no mercado de capitais para consecução de suas atividades. Neste caso, os recursos captados seriam utilizados, por óbvio, direta ou indiretamente, na construção de imóveis, cumprindo, portanto, o requisito imposto pela Lei nº. 9.514/97. Vale ainda ressaltar que a construtora não deixará de cumprir seu objeto social se utilizar parte ou a totalidade de tais recursos no pagamento, alongamento ou outra forma de refinanciamento de dívida já contraída, visto que tais recursos, presentes ou passados, foram captados com um único objetivo final que é dar condições para que a construtora cumpra com seu objeto social. A utilização dos recursos captados para pagamento de dívidas existentes contraídas, inclusive por empresas do setor imobiliário, descaracteriza o crédito como imobiliário, de acordo com entendimento da CVM. Neste particular, além do argumento jurídico acima, com todo respaldo econômico, vale ressaltar que o legislador, no tratamento fiscal dado ao conhecido “CRI de Capex”, criado pela Lei 12.431, de 24 de junho de 2011 (basicamente dispõe, dentre outros, da isenção de imposto de renda na emissão de determinados títulos e valores mobiliários, incluindo CRI, para investidores não residentes), admite que os recursos oriundos da captação via emissão do referido CRI sejam utilizados para reembolso de despesas incorridas pela empresa no projeto específico, limitado a 24 (vinte e quatro) meses anteriores ao encerramento da emissão de CRI. Portanto, o próprio legislador, ao criar essa possibilidade, deixou claro indiretamente que o crédito que lastreia o CRI não deixa de ser de natureza imobiliária pelo fato de os recursos serem utilizados pela empresa originadora para pagamento de dívida existente quando da captação.

Com efeito, neste caso, indagamos qual seria a necessidade de incluir na documentação da operação: (i) a obrigação do Agente Fiduciário de verificar o efetivo direcionamento dos recursos captados; (ii) a informação sobre a data limite para que haja a efetiva destinação destes recursos; (iii) o cronograma indicativo da destinação dos recursos, definindo um percentual que será destinado a cada imóvel, e demais obrigações decorrentes desta obrigação; e (iv) a demonstração da capacidade de utilização do montante total dos recursos captados por meio da emissão do CRI nos imóveis previamente determinados, conforme acima.

Os pontos acima nos parecem apenas se justificar caso a operação de emissão de CRI tenha como devedor dos créditos imobiliários pessoas não atuantes neste setor da economia. No caso de empresas pertencentes a este setor, o cumprimento dos requisitos acima é inerente à sua atividade empresarial, não sendo necessário qualquer mecanismo adicional para comprovar a destinação de referidos recursos. Apesar de poderem ser consideradas questões sem muita relevância, o cumprimento dos requisitos dispostos acima traz diversos ônus às empresas devedoras dos créditos imobiliários, tanto sob o ponto de vista financeiro, uma vez que agentes terceirizados precisam ser contratados para apurar parte dos requisitos acima, como também sob o ponto de vista burocrático, uma vez que fica restrita ou engessada a utilização dos recursos captados, não permitindo que a empresa tenha disponibilidade efetiva dos recursos de acordo com a sua necessidade para fins de desempenhar a sua atividade comercial da forma pretendida.

Para fins de cumprimento de requisito legal, a Lei 9.514/97 determina que o Termo de Securitização deve conter a individualização do imóvel a que esteja vinculado e a indicação do Cartório de Registro de Imóveis em que esteja registrado e respectiva matrícula. Nesta mesma linha, a ICVM nº. 414 dispõe sobre a necessidade de individualização do imóvel onde os recursos serão utilizados, sem nenhuma imposição adicional. O cumprimento do disposto acima é possível sem demandar maiores obrigações e/ou qualquer procedimento adicional das empresas devedores dos créditos imobiliários, porém, o cumprimento do disposto no Ofício Circular torna a realidade destas empresas muito mais penosa, o que, conforme vimos acima, não nos parece fazer sentido no caso de empresas do setor imobiliário.

4. CONCLUSÃO

Conforme exaustivamente tratado acima, a distinção entre crédito imobiliário por origem ou destinação é de suma importância para o crescimento e desenvolvimento do mercado imobiliário brasileiro, e representa uma evolução histórica no entendimento da CVM em relação a este tema.

Tão importante quanto esta evolução histórica, é analisar os efeitos práticos disso e o quanto o acréscimo de amarras pode impactar negativamente o crescimento deste mercado. Nesta linha de raciocínio, resta clara a necessidade de distinguirmos a origem do fluxo de recursos que será utilizado para fins de pagamento de determinados créditos imobiliários. Neste sentido, faz-se necessária a distinção das regras de comprovação de utilização destes recursos de uma empresa que atua no setor imobiliário e de uma empresa atuante em outro setor da economia.

A questão central deste estudo não recai sobre qualquer crítica ou entendimento divergente em relação à definição dos créditos imobiliários, e sim, apenas, em relação à forma como a caracterização destes créditos deve ocorrer. Ao passo que se faz necessário incluir restrições e comprovações para empresas que atuam nos mais diversos setores da economia, isso não se faz necessário quando estamos diante de empresas atuantes no setor imobiliário, uma vez que qualquer forma de endividamento por uma empresa do setor tem por consequência a contração de dívidas com natureza imobiliária pelo simples e importante fato de que a empresa deve usar os recursos para atingir sua finalidade social, que é financiar suas atividades imobiliárias.

Certamente, a compreensão da distinção acima, que pode até parecer pouco efetiva, mas que tem impactos práticos muito relevantes, faria com que as exigências do Ofício Circular fossem restritas aos créditos originados em empresas que não atuem no setor imobiliário, contemplando, assim, a natureza imobiliária das demais empresas, atribuindo a estas maiores possibilidades de utilização dos recursos captados, sempre em sua atividade principal, por óbvio, porém, sem as restrições e necessidade de preenchimento dos requisitos exigidos pela CVM no Oficio Circular.

Diante de todo o percurso traçado pela CVM no desenvolvimento do mercado de CRI, e todas as adaptações e atualizações de entendimentos e conceitos, o ponto tratado neste estudo nos parece ser de menor complexidade, uma vez que não agrega a este mercado qualquer risco adicional, assim como não pode ser entendimento como um desvirtuamento dos dispositivos legais aplicáveis. Porém, por outro lado, traria um ganho exponencial para os participantes deste mercado, tanto no que se refere a questões financeiras, como regulatórias e práticas, impulsionando, assim, a maior participação do mercado imobiliário no desenvolvimento constante e sustentável do Brasil.

 

¹ Advogado Sênior no Madrona Advogados. LL.M em Mercado Financeiro e de Capitais pelo Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa e formado em Direito pela Universidade Católica de Santos (2005). E-mail: luis.bellini@madronalaw.com.br

² Sócio no Madrona Advogados. LL.M. pela University of Pennsylvania, Philadelphia - EUA (2006) e formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (1998). E-mail: marcelo.cosac@madronalaw.com.br

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