Luis Peyser

 

"(...) para a responsabilidade dos estudiosos do direito, nesses duros tempos de mudança, em que são postos à prova a validade e eficácia das instituições que nos habituamos a admirar e cultuar. Não se trata apenas de contestações ideológicas, ou da atração mágica das utopias, do devaneio dos sonhadores. Mas da brutal alteração das condições de vida, da consciência de que os problemas se acumulam e que não há oráculos a consultar, nem experiências a invocar, porque os desafios são novos, sem precedentes, nem referências no passado". (...) "Esta é pois, a hora do jurista, que não pode ficar apegado a instituições que fenecem, colocando-se de costas para o futuro, por amor a uma ordem que não é mais ordem. Cumpre-lhe, com seu pensamento crítico, e sua fé na justiça, (...) tentar a abertura de caminhos novos, trazer sua contribuição ao mundo que nasce, participar da grande aventura de torná-lo mais humano e solidário"[i]

 

Ao menos durante os últimos 5 anos, os participantes do mercado nacional de financiamento imobiliário têm discutido como resolver a complexa equação de aumentar o funding destinado a tais tipos de financiamento, sem que isso cause impacto em um aumento dos percentuais de exigibilidade já existente nas regras do Conselho Monetário Nacional[ii].

 

A cada ano, os participantes de tal mercado verificam que estão próximos da data em que os recursos captados por meio da poupança já não serão suficientes para a continuidade do fluxo de financiamentos realizados e, portanto, poderá haver um obstáculo ao crescimento do mercado imobiliário no país.

 

Tal descasamento tem como princípio, de um lado, o maior volume de financiamentos imobiliários realizados e de outro o maior acesso pelo público a diferentes tipos de investimento com rentabilidades maiores do que a poupança.

 

Foi no âmbito de referidas discussões que se iniciou no Brasil o estudo e tentativa de implantar o título conhecido no exterior como Covered Bond imaginando-se que ele poderá ser uma fonte de resolução da questão. Mas o que é realmente o Covered Bond (quais são suas principais características)? Como ele se enquadraria no ordenamento jurídico brasileiro existente? Qual seria o real impacto de sua criação no aumento do funding imobiliário? Quais seriam os efeitos colaterais de sua criação no mercado brasileiro?

 

Estas são apenas algumas questões que entendemos adequadas a serem respondidas para análise finalística da criação do Covered Bond no Brasil e seu real auxílio no aumento do funding para o mercado imobiliário.


COVERED BOND E SUAS ESPECÍES

 

A definição mais usual de Covered Bond prescreve que se trata de um título de emissão de instituição financeira e/ou de obrigação de instituição financeira que prevê pagamentos periódicos aos seus investidores, baseado em um fluxo financeiro criado pelo lastro de ativos segregados dos ativos do emissor e que gera para o investidor a preferência com relação a tais ativos em caso de falência da instituição financeira emissora e/ou devedora.

 

O conjunto de ativos segregados do balanço da emissora e/ou devedora para formarem o lastro do Covered Bond é conhecido como Covered Pool.

 

Contudo, existems diversas espécies de Covered Bonds, podendo eles serem diferenciados com relação à: (i) co-obrigação ou não da instituição financeira (dual recourse); (ii) tipos de ativos subjacentes que formam o Covered Pool; (iii) realização de supervisão por órgão regulador ou entidade privada; (iv) estrutura de segregação de ativos baseada em lei específica ou relações de direito contratual.

 

  1. Co-obrigação de instituição financeira

O sistema predominante é de co-obriação da instituição financeira. A maioria dos países que possuí legislação específica determina que a instituição financeira é responsável pelo pagamento dos Covered Bonds. Tal característica tem no mínimo três impactos diretos para as instituições financeiras: (i) o título é tratado como dívida em seu balanço; (ii) os ativos que formam o Covered Pool, permanecem em seu balanço e, portanto, o risco atrelado a eles também; e (iii) a emissão de Covered Bonds não gera nenhum efeito do ponto de vista regulatório bancário para fins de redução do requerimento de capital (Basiléia).

 

Para os países que permitem a emissão ser realizada sem a co-obrigação da instituição financeira, o questionamento é com relação à falta de uma das principais características do Covered Bond, e, portanto, a não existência de diferenças entre o referido papel e qualquer outra forma de captação por meio de securitização de ativos.

 

  1. Tipos de Ativos Subjacentes

Apesar das discussões sobre a criação de Covered Bonds no Brasil terem sido realizadas estritamente no âmbito do mercado imobiliário, na verdade tais títulos são usados, especialmente na Europa, como forma captação lastreadas em outros ativos subjacentes também, como, por exemplo: (i) financiamento ao setor público; (ii) financiamentos garantidos por navios; e (iii) financiamento garantido por aeronave[iii].

 

Abaixo, o gráfico demonstra o estoque de Covered Bonds emitidos na Europa divididos por ativos lastro:




O gráfico acima demonstra como o mercado atual de Covered Bonds, se feita a distinção por ativos lastro, tem diferenças significativas nos últimos 8 anos. Os Covered Bonds ainda existentes emitidos nos primeiros anos analisados são papéis com lastro em financiamento público, enquanto que, especialmente no ano da crise e no pós-crise, ou seja, a partir de 2008, os papéis ainda existentes têm em sua maioria lastro em financiamento com garantia hipotecária.

 

A análise do gráfico isoladamente não pode ser usada para discussões sobre o porquê o mercado evoluiu de tal forma, mas a análise pode sim demonstrar que o histórico de volume de operações e, portanto, experiência em tais operações é muito mais estável para casos de lastros públicos e menos estável para casos de lastros de garantia hipotecária.

 

O crescimento do volume de forma expressiva nos anos de 2008, 2009 e 2010, pode ter uma correlação direta com (i) alterações regulatórias de urgência tomadas pelas autoridades de forma global; e (ii) a diminuição da oferta de outros produtos e formas de captação anteriormente utilizadas. Assim, não é tão óbvio imaginar que todas as discussões relevantes do mercado atual de Covered Bonds, especialmente aqueles baseados em créditos hipotecários, refletem uma análise de longo prazo do mercado e apresentam as reais potenciais consequências que a utilização de referidos títulos em extrema larga escala, como as estruturas de securitização nos Estados Unidos[iv], poderiam gerar. Será que efetivamente, não haveria problemas equivalentes aos que ocorreram em 2008 e nos anos seguintes?

 

Outra diferenciação pode ser feita com base em determinadas regras para determinados tipos de ativos subjacentes do Covered Pool. Por exemplo, regras mais rígidas para ativos subjacentes que sejam decorrentes de financiamento a pessoas físicas para aquisição de imóvel; e regras menos rígidas para ativos subjacentes decorrentes do financiamento à construção para tomadores com rating de investment grade.

 

Ademais, referidas diferenças além de relevantes para efeitos de estruturação da operação e análise de riscos são utilizadas na prática em casos de definição sobre: (i) público investidor; e (ii) critérios de suitability utilizados pelo distribuidor da oferta.

 

  1. Supervisão por Órgão Regulador ou Entidade Privada

A terceira característica é que o Covered Bond tem como premissa a existência de um terceiro para realizar uma supervisão direta sobre os ativos do Covered Pool, sendo que as principais características de tal supervisão são: (i) ter um agente específico para tal supervisão, que geralmente é um órgão governamental, por vezes o próprio órgão fiscalizador do mercado financeiro, ou do mercado de capitais, ou os dois; (ii) auditorias periódicas realizadas por tal agente; e (iii) gerenciamento e manutenção permanente do Covered Pool levando em consideração a insolvência da instituição financeira, e buscando atuar para que os investidores recebam seus retornos da forma e na época esperada.

 

Tal característica é tratada com extrema relevância neste tipo de título, já que os ativos podem e “devem” ser substituídos pelo emissor, em caso de “default” ou pré-pagamento e ainda, tendo em vista as regras e limites mínimos de sobregarantia (overcollateral) existentes em cada país. Assim, uma das principais figuras na estrutura de segurança jurídica de um Covered Bond, é referido terceiro supervisor, sem o qual, a estrutura como um todo perde uma de suas grandes bases de segurança.

 

  1. Estrutura de Segregação de Ativos

A última especificidade que analisamos neste texto é com relação à estrutura de segregação dos ativos. Na Europa cerca de 25 (vinte e cinco) países possuem legislação específica sobre Covered Bonds, incluindo a Alemanha (um dos primeiros países a autorizar tal tipo de estrutura, senão o primeiro), a França, o Reino Unido, a Espanha, entre outros tantos. Outros cerca de 5 (cinco) países utilizam-se de estruturas contratuais apenas baseadas em regas gerais de direito contratual. A legislação específica mais atual com relação aos Covered Bonds é a da Austrália, que foi aprovada em 2011. Os Estados Unidos, após a crise de 2008 direcionaram esforços para a aprovação de legislação específica para Covered Bonds. Atualmente o projeto de lei do United States Covered Bond Act of 2011 está em tramitação no congresso americano.

 

A estrutura jurídica de segregação dos ativos do balanço da instituição financeira emissora diverge entre os países, sendo as 3 (três) principais estruturas: (i) legislação específica que prevê a exclusão dos ativos do Covered Pool do balanço da instituição financeira em caso de falência ou recuperação judicial; (ii) legislação específica que prevê a preferência dos investidores aos ativos integrantes do Covered Pool em detrimento dos outros credores da instituição financeira; e (iii) transferência dos ativos integrantes do Covered Pool para uma sociedade de propósito específico.

 

Em qualquer das estruturas mencionadas acima, os demais credores da instituição financeira emissora/garantidora, não têm acesso aos ativos do Covered Pool em caso de insolvência da instituição financeira ou são preteridos em relação aos credores dos Covered Bonds, inclusive os depositantes de referidas instituições financeiras.

 

Essa característica totalmente necessária à estrutura de Covered Bonds tem como consequência a necessidade de adequação de regras específicas de liquidação de instituições financeiras e também de funcionamento das garantias de depósitos e/ou investimentos, geralmente outorgadas por órgãos públicos (inclusive autarquias) ou demais entes, como no Brasil o Fundo Garantidor de Crédito (“FGC”) ou nos Estados Unidos o Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).

 

Esta breve análise demonstra que não há estrutura jurídica única para definição do que é um Covered Bond, já que podemos ter:

 

(i)      Títulos com ou sem co-obrigação da instituição financeira;

(ii)    Títulos com os mais diversos lastros (desde financiamento público até financiamento com garantia de navios);

(iii)   Títulos com supervisão dos lastros por entidades privadas ou públicas;

(iv)   Títulos baseados em legislações específicas ou não; e

(v)     Títulos cujo ativo lastro é segregado por diversas formas.

 

Contudo, apesar das diversas espécies, é possível definir o Covered Bond como:

 

Um título e/ou valor mobiliário (a depender de sua forma de oferta), de emissão exclusiva de instituição financeira ou sociedade de propósito específico por ela controlada, que tem como pressuposto de sua emissão a necessidade de segregação de ativos de um patrimônio maior, em montante no mínimo equivalente ao montante da emissão, cuja única função seja pagar o próprio título e, em caso de insolvência da emissora, tais ativos subjacentes serem utilizados prioritariamente para pagamento de referido título, e que majoritariamente possuem uma instituição financeira como co-responsável pelo pagamento.

 

ENQUADRAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO EXISTENTE

 

A criação de legislação específica para regular os Covered Bonds com a finalidade e para a espécie exclusiva de emissão com lastro em crédito imobiliário[v], demandaria diversos ajustes legais no Brasil, conforme a seguir expomos.

 

Do ponto de vista de direito bancário, não há qualquer tipo de título de emissão de instituições financeiras ou que geram obrigações de instituições financeiras que, exclusivamente por imposição legal, se enquadrem na definição de Covered Bond acima descrita.

 

Contudo, existem certos títulos no mercado financeiro e de capitais que atendem, do ponto de vista legal, certas características dos Covered Bonds, são eles: (i) a letra de crédito imobiliária, criada pela Lei 10.931 /01 (“LCI”); e (ii) os certificados de recebíveis imobiliários, criados pela Lei 9.514/97 (“CRI”). Trataremos a seguir de questões específicas de cada um desses títulos e itens que são comuns aos dois.

 

As LCI são títulos de emissão e responsabilidade privativa de instituições financeiras que tenham atividades no setor de financiamento imobiliário e, em razão disso, tenham autorização específica do Banco Central do Brasil, e que tenham lastro em crédito imobiliário garantido por hipoteca ou alienação fiduciária de coisa imóvel.[vi]

 

Com base em tal definição, é simples notar que as LCI possuem praticamente todas as características de um Covered Bond, com exceção da segregação dos ativos da instituição emissora e concessão da preferência de acesso a tais ativos em caso de insolvência aos investidores da LCI.

 

Os CRI, por sua vez, são:

 

“Art. 6º da Lei 9.514/97 - O Certificado de Recebíveis Imobiliários - CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro.

        Parágrafo único. O CRI é de emissão exclusiva das companhias securitizadoras.”

 

Ademais, também para a emissão dos CRI se faz necessária a existência de lastro de créditos imobiliários em montante igual ou superior ao montante da emissão. Contudo, diferentemente da LCI, os CRI possuem regra específica e expressa sobre a segregação de ativos entre os ativos do emissor e os ativos da própria emissão, sendo que a imensa maioria das emissões existentes utilizam-se de tal segregação. A segregação do ativo é realizada por meio da criação do regime fiduciário em relação aos ativos que serão utilizados como lastro da operação e a consequente criação do patrimônio separado em relação ao patrimônio da emissora.

 

Mas, também o CRI, não possuí todas as características dos Covered Bonds de forma impositiva pela lei. Os CRI não são por exemplo, obrigatoriamente, de co-responsabilidade de uma instituição financeira e, portanto, não existe, obrigatoriamente, a possibilidade de acesso ao patrimônio de uma instituição financeira para adimplemento das obrigações dos devedores dos ativos lastro da operação.

 

Ora, nessa breve explanação, restou claro que temos títulos já existentes na legislação brasileira que foram desenvolvidos visando as especificidades de nosso mercado e outras áreas do direito, como por exemplo o direito imobiliário e suas características de ordem pública e cogente com relação aos registros e que já foram testados; sendo que possuem poucas diferenças em relação aos Covered Bonds do ponto de vista jurídico, senão vemos.

 

(i)   É possível, em uma emissão de LCI o emissor outorgar em favor do investidor, uma garantia real sobre os ativos utilizados como lastro da emissão, mesmo isso não sendo obrigatório do ponto de vista legal? A resposta é “sim”!

 

(ii)  É possível se estruturar um CRI de forma que o mesmo tenha a co-obrigação de uma instituição financeira com relação ao pagador da dívida, mesmo isso não sendo obrigatório do ponto de vista legal? A resposta é “sim”!

 

Alguns ainda poderiam alegar:

 

(i)   Mas os CRI não são emitidos por instituições financeiras ou sociedade de propósito específico por ela controlada, como consta na definição de Covered Bond acima.

 

Para esses, entendo que vale a reflexão sobre qual seria o principal benefício de se restringir a emissão às instituições financeiras, se há a possibilidade de ter a instituição financeira como co-obrigada? Ora, não me parece que há que se falar em prejuízo jurídico do ponto de vista de segurança, se a única entidade que pode emitir CRI é fiscalizada pela autoridade de mercado de capitais do país e cada uma das suas operações é igualmente fiscalizada. A supervisão, mencionada acima como uma das características importantes para os Covered Bonds, estaria plenamente atendida[vii], isso sem falar da fiscalização realizada pelos agentes fiduciários (esses também supervisionados pelas autoridades).

 

(ii)     No CRI não há que se falar em substituição do lastro em caso de default do devedor do lastro, o que gera um risco para o investidor.

 

Infelizmente, novamente entendo que, há diversas estruturas jurídicas passíveis de utilização e que criam o mesmo benefício. Além disso, se há a co-obrigação da instituição financeira, por que não poderia haver a sua obrigação de recompra de tais créditos?

 

(iii)   Mas a estrutura de CRI nunca estimulará os originadores dos créditos a agirem com maior diligência, já que há o true sale, o que não ocorre com o Covered Bond.

 

Em que pese esse item não estar diretamente atrelado à opção pela estrutura jurídica da operação e sim com o dever fiduciário e de diligência dos dirigentes da companhia originadora, vamos tratá-lo abaixo para não ficar sem resposta. Vejamos, qual seria o conflito ou a falta de critérios para a concessão do crédito se os critérios de aquisição pela companhia securitizadora fossem os mesmos que qualquer critério utilizado em larga escala em estruturas de Covered Bond e se a instituição financeira continuasse co-obrigada pelos créditos e, conforme o caso, com a obrigação de recompra?

 

Não bastasse a resposta de tal pergunta ser “não há conflito”, há países que criaram em suas leis referentes a securitização, normas mais objetivas com relação à retenção de risco pelo cedente[viii].

 

Será que então, traria tanto benefício ao crescimento do funding imobiliário a criação dos Covered Bonds no Brasil, ou seja, basicamente a criação de uma regra que obrigue: (i) as LCI serem sempre emitidas de forma a outorgar ao seu investidor a garantia real sobre os ativos lastro; ou (ii) os CRI de créditos cedidos por instituições financeiras contarem sempre com a co-obrigação da instituição financeira e sua responsabilização pela recompra de determinados créditos?

 

Para responder tal pergunta, entendemos necessário analisarmos quais os benefícios que o mercado enxerga nos Covered Bonds:

 

AUMENTO DO FUNDING IMOBILIÁRIO E COVERED BONDS

 

As autoridades Australianas, durante o processo de aprovação da legislação específica para emissão de Covered Bonds apontaram 4 (quatro) benefícios para as instituições financeiras advindos da criação dos Covered Bonds[ix]:

 

1.1  “First, covered bonds diversify an Authorised Deposit-taking Institution’s (“ADI”) funding base.  They allow ADIs to issue a new class of securities which may be attractive to a new class of investors who wish to bear less risk relative to other forms of bank funding.  Consequently, having the capacity to issue covered bonds will improve ADIs’ access to funding.

 

1.2                     Second, covered bonds offer a potentially cheaper form of wholesale funding for ADIs, because the risk to investors associated with covered bonds is generally lower than other forms of wholesale funding.   

 

1.3  Thirdly, covered bonds may provide the opportunity to raise funds with longer maturity, say with a 5 to 15 year term.  This compares with ADI wholesale funding which is typically in the maturity range of up to 4 years, although ADIs could issue longer-dated paper if they wish to do so and there is investor appetite.  Lengthening the term of funding can be beneficial for ADIs as longer-term funding more closely aligns the maturity profile of an ADI’s liabilities with the maturity profile of an ADI’s assets (that is, loans).  Further, any shift towards long-term funding has stability benefits for the Australian banking system and will assist ADIs to meet the international regulatory reforms to bank liquidity requirements. 

 

1.4                     Finally, covered bonds are typically structured with repayment of the principal at the maturity date (that is, a bullet security).  In contrast, securitisation vehicles like RMBS typically have the principal repaid in instalments over time (in line with repayment of the underlying assets which can be uncertain).  This makes covered bonds potentially more attractive to investors such as superannuation funds seeking more predictable returns relative to some securitisation products.” 

 

Já o Cômite Europeu de Covered Bonds, em seu fact book de 2011 prevê[x]:

 

“From an issuer perspective, covered bonds provide an important contribution to the enhancement of a banks’ funding profile and the management of liquidity. Benefits provided by covered bonds include:

 

1) adding duration to liabilities, allowing banks to properly match their long-term asset portfolios;

 

2) providing stability to the funding mix, allowing ALM teams to increase predictability in the maturity profiles;

 

3) enabling issuers to increase diversification in the investor base, both in terms of geography and investor type; and

 

4) serving the industry as one of the most reliable funding tools, even in times of turmoil.”

 

Além de cada órgão elencar itens como: (i) o custo de captação tende a ser menor em razão do menor risco do investidor; (ii) pode haver estruturação com o pagamento do principal somente ao final, o que pode ser interessante para determinados investidores; entre outros, ambos documentos trazem como benefício ao emissor:

 

(i)    o aumento na diversificação de formas de captação e base de clientes que buscam outro tipo de risco; e

 

(ii)  o alongamento de suas linhas de captação, o que traria maior previsibilidade e, portanto, mitigando o risco de descasamento entre passivos e ativos no longo prazo.

 

Todos os benefícios aqui mencionados nos parecem que efetivamente podem auxiliar no desenvolvimento do funding de qualquer setor, inclusive o imobiliário. Entretanto, nenhum dos itens mencionados é exclusividade dos Covered Bonds e poderiam, sob o aspecto jurídico, ser alcançados pelas LCI ou por CRI estruturados da forma correta. Isto porque, nenhum dos itens diz respeito a questões jurídicas impossíveis de se obter com as estruturas existentes no país e sim, dizem respeito a questões econômicas e de padronização de mercado, conforme serão tratadas mais adiante.

 

Traremos então, o entendimento de outros agentes de referida estrutura apresentados em seminário sobre Covered Bonds realizado pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (ABECIP) em 29 de setembro de 2010[xi]:

 

“O representante da PREVI, André Tapajós, afirmou que os fundos de pensão estariam dispostos a investir em CBs caso haja uma boa equação entre liquidez e rentabilidade, além de considerar os custos. Sugeriu que os CBs fossem considerados pelo legislador como investimentos estruturados e não renda fixa, pois assim a competição com o private equity e o venture capital seria acirrada. Adicionalmente, considerou que se os pagamentos dos CBs fossem inseridos nos gaps de pagamentos dos títulos federais isso chamaria a atenção dos investidores.

 

Por fim, Dyogo de Oliveira, Secretário-Adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, considerou desnecessário a criação de um titulo novo devido ao longo prazo de maturação, nesse sentido, recomendou que o mercado não abandone iniciativas que já estão em andamento como as Letras Financeiras e a securitização. Todavia, afirmou que o papel do governo é de viabilizar os instrumentos e fomentar a inovação, deixando para o mercado o papel de escolher o que é melhor.”

 

Tais colocações apresentam que pelo lado dos investidores institucionais, novamente não há relevância para a caracterização jurídica do instrumento, mas sim interesse, desde que financeiramente seja válido e do ponto de vista regulatório seja adequado (leia-se melhor do que uma renda fixa); e pelo lado do governo, não seria necessário a criação de um novo título para o atingimento da finalidade pretendida.

 

Mas será que a criação de tais papéis efetivamente não auxiliaria no aumento do funding do mercado imobiliário?  Vejamos o que fala a respeito a Assessora do Departamento de Normas do Sistema Financeiro, Banco Central do Brasil, em seu texto “Covered Bond: Alternativa de funding para o mercado imobiliário brasileiro?”[xii]:

 

“Os covered bonds apresentam-se como alternativa ao mercado brasileiro como forma de funding para as instituições financeiras, pois os bancos não precisariam transferir suas carteiras de crédito imobiliário como ocorre na emissão de CRI. Além disso, como o mercado brasileiro é caracterizado pela existência de grandes bancos de varejo, a criação de título de crédito que contemple as principais características dos covered bonds pode dinamizar o mercado imobiliário brasileiro, ampliando as fontes de captação para novos financiamentos. Estudos apresentados recentemente indicam que a os recursos de poupança não serão capazes de suprir a demanda por novos financiamentos imobiliários, tendo em vista o crescimento observado no mercado nos últimos anos. Nesse contexto, os covered bonds apresentam-se como fonte alternativa de captação de longo prazo. (g.n.)

 

Sem dúvida, o entendimento disposto acima está preciso: “(...) Os covered bonds apresentam-se como alternativa ao mercado brasileiro como forma de funding para as instituições financeiras (...)”.

 

Porém, seria efetivamente diretamente proporcional o aumento do funding destinado ao mercado imobiliário com o aumento do funding das instituições financeiras (de forma genérica) ou seria necessário criar-se também uma imposição regulatória de destinação dos recursos captados para o mercado imobiliário (como já há com os recursos da poupança)?

 

CONCLUSÃO

 

Não há como negar que a criação de um título específico que tenha as características do Covered Bond seria obviamente um avanço no sentido de termos cada vez mais possibilidades de acessar os recursos de investidores externos (por se tratar de ativo já conhecido por eles) e que pode ter uma certa padronização.

Contudo, a criação de tal título demandaria uma alteração relevante legislativa no país. São diversos os questionamentos que devem ser respondidos durante o trabalho de elaboração de um projeto de lei para criação de tal título, conforme detalhado abaixo. Nos moldes do que ocorre no mercado de capitais há anos e no mercado financeiro, onde os órgãos têm adotado critérios de audiência pública para comentários às novas regulamentações, seria interessante e prudente que os legisladores promovessem audiência pública, inclusive com formação de grupos de trabalho para solução de cada etapa da equação jurídica, com vistas a produzir a melhor legislação possível.

Uma das primeiras questões a se resolver é como criar um papel deste tipo sem trazer riscos para os seus investidores e, sobretudo, sem aumentar o risco dos demais stakeholders da instituição financeira emissora (e, portanto, aumentar os juros requeridos por tais investidores preteridos em relação aos detentores de Covered Bonds). Para dizer o mínimo, não nos parece fazer sentido o detentor de um Covered Bond, geralmente um investidor super-qualificado e conhecedor dos riscos assumidos, ter senioridade em relação a todos demais credores da instituição financeira, incluindo os depositantes da caderneta de poupança, os credores trabalhistas e o próprio fisco, sem que haja alguma contrapartida da própria instituição financeira ou de outro órgão.

 

Ademais, item importante a se definir, já que em outros países existem dois modelos de estrutura, é o referente à obrigatoriedade ou não da co-obrigação da instituição financeira no Covered Bond. Tal decisão terá impactos no item mencionado no parágrafo anterior, mas também nas questões atinentes à necessidade de registro de oferta pública ou não pela CVM (o que pode impactar sensivelmente o desenvolvimento do mercado e do papel em si, em razão dos prazos legais estabelecidos e dos custos envolvidos).

 

Não bastasse a necessidade de resolução de tais questões, ainda perduram diversas outras, das quais destacamos algumas: (i) o que acontecerá com o FGC? (deverá ele manter a obrigação de indenizar os depositantes mesmo em caso de existência de grande monta no Covered Pool destinado aos detentores do Covered Bond?) Será esse o papel para o qual o FGC foi efetivamente criado?; (ii) como será tratado o caso de senioridades em pagamentos no caso de liquidação da instituição financeira?; (iii) quais serão os critérios e condutas de gestão de risco para mitigar problemas com as trocas dos ativos integrantes do Covered Pool?; (iv) não seria prudente manter gate keepers na operação ao invés de apenas confiar no critério de disclosure de informações (uma operação realizada simplesmente internamente pela instituição financeira, sem o necessário envolvimento de agentes fiduciários, auditores externos, entre outros)?; (v) qual deve ser o objetivo do papel, a celeridade na captação, o volume de captação com a possibilidade de emissões de grandes montas ou a maior segurança jurídica de cada colocação?; e (vi) deveríamos ter diferentes Covered Bonds a depender do ativo lastro, para ao mínimo não misturar riscos, por exemplo residenciais com comerciais?

 

Talvez o caminho para o aumento do funding do mercado imobiliário não esteja na decisão sobre o título que será usado para a captação do investimento LH, CCI, LCI, CRI, FIDC, FII ou mesmo o Covered Bond (ou deveríamos buscar uma sigla também para ele – CB, por exemplo) mas sim (i) na resolução do problema econômico do final da captação de recursos para financiamento imobiliário por taxas baseadas no rendimento da poupança e taxa de financiamento real; e (ii) na busca por expandir o mercado investidor inclusive para estrangeiros, alinhando as regras locais com regras geralmente aceitas pelos investidores estrangeiros e consequentemente trazendo conforto para tais mercados investidores (não deixando de lado, é claro, o tratamento a ser dado para o impacto que um fluxo tão grande de recursos poderia causar na política monetária e, consequentemente na política “tributária”).

 

___________________________

 

Luis Peyser é sócio e corresponsável pela área de mercado de capitais e responsável pela área de negócios florestais do escritório PMKA Advogados, foi professor assistente de Direito Comercial da PUC/SP. É sócio fundador e foi diretor executivo do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP. Coordenador e co-autor do Livro “Direito Empresarial: Aspectos atuais de Direito Empresarial Brasileiro e Comparado”. Autor de artigos relacionados ao mercado de capitais publicados em revistas especializadas e livros no Brasil e no exterior, incluindo Funding in the Brazilian Market and Receivable Funds publicado em International Business Transactions with Brazil e Cerco aos Hedge Funds, na Revista Capital Aberto. Participou de diversas palestras e seminários de Direito Empresarial no Brasil e no exterior. Foi associado estrangeiro do Debevoise & Plimpton LLP em Nova York. 


[i] A Lei das S/A, Pressupostos e Elaboração. Ed. Renovar, 2ª edição, 1993, p. 2191 – Alfredo Lamy Filho.

[ii] Resolução 3932/10 do Conselho Monetário Nacional

[iii] “(...) Em março de 2009, uma proposta de emenda ao German Pfandbriefgesetz entrou em vigor, introduzindo nova categoria na lista de ativos aceitos para compor o pool de ativos: financiamentos garantidos por aeronaves.” em texto de Isabella Fonte Boa Rosa Silva “Alternativas de funding para o crédito imobiliário” http://www.bcb.gov.br/nor/denor/Paper_Covered_Bonds_Dez2010.pdf

[iv] “(...) O mercado hipotecário americano representa o mario mercado de dívida do mundo, estimado em cerca de R$12 trilhões de dólares americanos no final de 2008” em texto de Isabella Fonte Boa Rosa Silva “Alternativas de funding para o crédito imobiliário”

http://www.bcb.gov.br/nor/denor/Paper_Covered_Bonds_Dez2010.pdf

[v] Vide discussão sobre conceito de crédito imobiliário no artigo “Securitização de Recebíveis Imobiliários: Uma Nova Fonte de Recursos para o Financiamento Imobiliário”, de autoria de Juliano Cornacchia, publicado em “Direito Imobiliário Atual”. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. CASTRO, Daniel Aureo (Coord.).

[vi] Art. 12 da Lei 10.931/04 – “Os bancos comerciais, os bancos múltiplos com carteira de crédito imobiliário, a Caixa Econômica Federal, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e demais espécies de instituições que, para as operações a que se refere este artigo, venham a ser expressamente autorizadas pelo Banco Central do Brasil, poderão emitir, independentemente de tradição efetiva, Letra de Crédito Imobiliário - LCI, lastreada por créditos imobiliários garantidos por hipoteca ou por alienação fiduciária de coisa imóvel, conferindo aos seus tomadores direito de crédito pelo valor nominal, juros e, se for o caso, atualização monetária nelas estipulados.”

[vii] Anexo 32 – II da Instrução CVM 480/09 – “Art. 1º Os emissores que tenham como objeto a securitização de créditos devem acrescentar ao formulário de informações trimestrais – ITR e ao formulário de demonstrações financeiras padronizadas - DFP:

I - relatório sobre a aquisição, a retrocessão, o pagamento e a inadimplência dos créditos vinculados à emissão de certificados de recebíveis; e

II – as demonstrações financeiras independentes relativas a cada um dos patrimônios separados por emissão de certificados de recebíveis ou debêntures em regime fiduciário.”

[viii] Vide Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act. Para maiores informações sobre os principais pontos da Dodd-Frank Act com relação a risk retention e seus impactos, veja: http://www.stblaw.com/google_file.cfm?TrackedFile=4B46116606D7EFD896B179&TrackedFolder=585C1D235281AED9B6A07D5F9F9478AB5A90188899&CFID=17686117&CFTOKEN=56959180 http://www.mofo.com/files/Uploads/Images/110525-Impact-of-Dodd-Franks-Risk-Retention-Rules-on-CLOs.pdf

[ix] Vide Explanatory Memorandum Banking Amendment (Covered Bonds) Bill 2011, Circulated by the authority of the Deputy Prime Minister and Treasurer, the Hon Wayne Swan MP.

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