Nos últimos dias, dois fatores trouxeram à tona um tema que, até o momento, tem se mantido longe dos holofotes: securitização de dívida ativa. No dia 30 de março, a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) deu início a um programa piloto de securitização de operações de crédito que têm estados ou municípios como devedores e contam com garantia da União. Já no dia 13 de abril, o plano emergencial de ajuda financeira a estados e municípios foi aprovado pela Câmara dos Deputados. 

O plano emergencial, que segue para apreciação do Senado, prevê que a queda de arrecadação do Imposto de Circulação, Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Serviços (ISS) na comparação entre 2020 e 2019, seja compensada pela União. A medida deve impactar as contas públicas em dezenas de bilhões de reais. 

Se por um lado há movimentos no sentido de expansão do gasto, por outro o projeto piloto da STN almeja a redução do custo dos empréstimos para os entes subnacionais. 

Etapa posterior ao processo de consulta pública ocorrido em setembro de 2019, o projeto piloto de securitização limita a captação a no máximo R$ 20 bilhões e será direcionada exclusivamente à reestruturação de dívidas garantidas pela União, cuja data de contratação seja anterior a 31/07/2019, entre outros requisitos. 

Mesmo potencialmente benéfico para os envolvidos, o escopo do projeto piloto tem uma limitação fundamental: a de que o ente subnacional deve ser o devedor de um direito creditório.  

Dada a urgente situação fiscal dos estados e municípios, agravada ainda mais pelos impactos da pandemia de Covid-19, talvez o projeto fosse mais relevante no contexto atual se as operações de securitização tivessem os entes diretamente como captadores de recursos, ou seja, cedente de direitos creditórios. 

Para isso, não se poderia passar ao largo de alguns questionamentos fundamentais, como o modelo mais adequado para securitização, considerando os agentes envolvidos, os instrumentos financeiros disponíveis (debentures ou FIDC), os riscos e possíveis efeitos, e principalmente, quais alterações legais, normativas ou contratuais precisariam ocorrer para viabilizar as operações de securitização das operações de crédito garantidas pela União. 

Nesse sentido, adquire redobrada importância a apreciação, pelo plenário da Câmara, do PLP 459/2017, já aprovado pelo Senado, e que teve sua origem no PLS nº 204/2016, de autoria do Senador José Serra. 

O Projeto de Lei visa autorizar os entes da federação (a União, assim como Estados e Municípios) a ceder direitos creditórios originados de créditos tributários e não tributários, objeto de parcelamentos administrativos ou judiciais. Vale lembrar que esses créditos não foram pagos no passado, por conta da inadimplência do contribuinte, e cuja recuperação, ao longo do tempo, é lenta e fragmentada. 

Contudo, a securitização de dívida ativa, dado a realidade do valor e do risco deste tipo de ativo, e dado o tamanho dos orçamentos dos entes públicos, representa apenas uma fonte adicional de recursos a serem obtidos em um momento de emergência, e não deve ser entendida como uma panaceia que irá curar os imensos buracos fiscais pré-existentes além do impacto adicional da pandemia. Por outro lado, a Administração Pública tem a oportunidade de utilizar estruturas de mercado a seu favor. 

Estados como São Paulo e de Minas Gerais, assim como o município de Belo Horizonte, já se adiantaram e fizeram operações desse tipo anos atrás. Com os recursos captados, foi possível gerar caixa para investimentos, pagamentos de despesas e outros, que não seriam possíveis sem a securitização dos direitos creditórios. 

Essas operações têm sido estruturadas através de Sociedades de Propósito Específico (SPE), de propriedade, direta ou indireta, dos próprios entes públicos captadores, e por intermédio de emissões de debêntures. Embora algumas SPE possam, individualmente, desfrutar de um bom nível de governança, delas não é exigido um regime informacional amplo, intenso, detalhado e tempestivo sobre seu desempenho, seu patrimônio e sua estrutura, como quando comparado ao principal veículo de securitização do país, o FIDC. 

O contraste com o FIDC é marcante. O FIDC e seu respectivo marco jurídico-regulamentar representam o estágio mais avançado do universo de securitização brasileiro. Sendo um condomínio, o FIDC não tem nos cotistas a figura de credor, mas de dono. O administrador de um FIDC está sujeito a uma série de exigências, entre as quais o cálculo do valor das cotas do fundo, com base em seu preço justo, e a apresentação de informações padronizadas em frequência mensal, de modo centralizado e público no portal da CVM. Não há real comparação entre a prática da transparência e o nível de proteção do investidor que vigoram em operações de FIDC com a de outros veículos. E maior transparência da operação e maior proteção do investidor se traduz em menor risco dos títulos de securitização emitidos e, consequentemente, em menor custo de captação para o ente público. 

A Uqbar acompanha a discussão a respeito da securitização de dívida ativa desde seu início, e mantém a firme convicção de que a securitização pode desempenhar papel efetivo como alternativa de financiamento em um cenário de baixa liquidez e estresse creditício pelo qual passam os entes públicos. Sendo assim, como revelam os numerosos artigos publicados no TLON sobre o tema, a Uqbar atua para desfazer eventuais mal entendidos que possam impedir o amadurecimento desse tão importante mercado

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