Por Alexei Bonamin e Debora Seripierri, do escritório TozziniFreire Advogados

Publicado originalmente no Anuário Uqbar 2015: Finanças Estruturadas.

Em razão da abundância de riquezas naturais e de condições climáticas e geográficas favoráveis para o desenvolvimento do agronegócio existentes em diversas regiões do Brasil, é cada vez maior a necessidade de desenvolvimento de instrumentos capazes de fomentar o seu financiamento. Nesse contexto, em dezembro de 2004 por meio da Lei nº 11.076 foram criados novos títulos do agronegócio, dentre eles, os Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA.

Os CRA são títulos de crédito nominativos, de livre negociação, emitidos exclusivamente por companhias securitizadoras registradas na Comissão de Valores Mobiliários – CVM e representativos de promessa de pagamento em dinheiro. Tais títulos são lastreados em direitos creditórios originários de negócios realizados por produtores rurais, suas cooperativas ou terceiros, inclusive financiamentos, empréstimos ou securitização, relacionados com a produção, comercialização, beneficiamento, processamento, transformação, armazenamento, logística, transporte, distribuição ou industrialização de produtos ou insumos agropecuários ou de máquinas, veículos e implementos utilizados na atividade agropecuária ou florestal, bem como seus subprodutos e resíduos de valor econômico.

Na perspectiva dos participantes da cadeia produtiva do agronegócio, os CRA podem representar uma alternativa e/ou um complemento ao empréstimo de agentes financeiros e ao crédito rural. Por exemplo, tais participantes podem ceder os seus direitos creditórios para uma companhia securitizadora e assim antecipar recursos, sem que para isso tenha que assumir uma dívida como ocorre no crédito rural. A companhia securitizadora, por sua vez, ao adquirir os direitos creditórios de participantes da cadeia produtiva do agronegócio, emite CRA, lastreados em tais direitos creditórios, os quais serão oferecidos para investidores por meio de uma oferta pública, sendo em muitos casos, o primeiro ponto de contato de empresas do agronegócio com o mercado de capitais.

Já para o público investidor, os CRA têm sido uma boa opção de investimento em razão da sua rentabilidade e do incentivo fiscal por meio da isenção do Imposto de Renda (IR) com relação ao rendimento dos CRA para as pessoas físicas que o adquirem.

A primeira operação registrada na CVM envolvendo uma oferta pública de CRA foi realizada em 2012 pela Octante Securitizadora que emitiu CRA lastreado em direitos creditórios do agronegócio de distribuidores de soja clientes da Syngenta. A operação, que contou com a Bunge como titular de CRA Subordinados, captou R$ 85,5 milhões e teve uma demanda de 170% para a compra do papel. Os CRA foram ofertados no mercado com uma remuneração de 109% do CDI, um prazo de 23 meses, e atraíram 211 investidores pessoas físicas que investiram no mínimo R$ 300 mil.

Desde então, as ofertas de CRA têm demonstrado forte crescimento. Os setores de soja, fertilizantes, insumos e defensivos agrícolas e sucroalcooleiros foram os pioneiros a se beneficiarem dos CRA. Atualmente, os setores de laranja, celulose, café, algodão e carne apresentam grande potencial a ser explorado.

De acordo com os dados da CETIP, o volume de CRA registrados na CETIP saltou 217% em 24 meses, para R$ 1,12 bilhão em setembro de 2014. Em outubro de 2014, apenas um mês após a divulgação desses dados pela CETIP, foi liquidada a maior operação de emissão de CRA até então, no valor de R$ 675 milhões. Os CRA foram emitidos pela Gaia Agro Securitizadora, em duas séries, com lastro em direitos creditórios do agronegócio da Raízen e oferecidos no mercado com uma remuneração de 100% do CDI para a primeira série e de IPCA acrescido de um spread de 5,69% para a segunda série, com vencimento em 2019 e 2021, respectivamente. O papel foi registrado na CETIP e na BM&FBOVESPA, possuiu formador de mercado, além de uma grande diversificação de investidores, atingindo, dentre outros, duas mil pessoas físicas que investiram no mínimo R$ 1 mil. Posteriormente, em meados de janeiro de 2015, a CETIP divulgava o volume de R$ 2,13 bilhões de CRA registrados em seu sistema.

Diferentemente das primeiras ofertas de CRA registradas na CVM nas quais se verificava uma pulverização dos devedores dos direitos creditórios lastro dos CRA, como no caso dos CRA envolvendo os distribuidores de soja clientes da Syngenta, atualmente temos visto um aumento dos chamados CRA corporativos, nos quais os direitos creditórios são devidos por uma única empresa, como no caso dos CRA envolvendo a Raízen.

Não foi apenas em números que os CRA apresentaram avanços. No campo jurídico foram objeto de discussões na CVM no âmbito do Processo CVM/RJ2013/5929 por meio do qual a CVM analisou e decidiu a favor de uma estrutura de revolvência dos lastros indiretos dos CRA, ou seja, os lastros de Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio – CDCA e de Cédulas de Produto Rural Financeiras – CPRF que por sua vez seriam vinculados aos CRA. A revolvência dos lastros diretos dos CRA também foi analisada e admitida pela CVM por meio do Processo CVM/RJ2013/8860. Ambas as decisões da CVM ganharam forte repercussão no mercado, incentivando novas operações com CRA revolventes.

Por fim, é importante destacar que diante do crescimento e da consequente sofisticação das operações de CRA o mercado tem discutido a necessidade de aperfeiçoamento da Lei n° 11.076 no que tange aos requisitos dos CRA, bem como da criação pela CVM de regulamentação específica para ofertas públicas de CRA a fim de aprimorar o arcabouço regulatório e fomentar cada vez mais o financiamento do agronegócio por meio do mercado de capitais.

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