Na semana que passou o governador do estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, em meio à discussão do substancial déficit previsto no orçamento do estado para 2016, declarou que tinha expectativas de captação de recursos através da venda de dívida ativa. Assim como ocorre no Rio de Janeiro, cresce o número de entes públicos da federação (municípios, estados, governo federal, distrito federal e autarquias) que buscam este tipo de alternativa para mitigar o estresse fiscal que se abate de forma onipresente no país. Neste sentido, o estado de São Paulo se vê na dianteira desta prática, tendo sua Companhia Paulista de Securitização (CPS) já captado aproximadamente R$ 2 bilhões através de emissões de debêntures1.

A operação de venda de dívida ativa representa a criação de uma liquidez, proporcionada por investidores no mercado de capitais, que se mostra fundamental para a sustentabilidade da gestão pública no atual momento. Mas existem perguntas que decorrem da realização destas captações. Qual o tipo de operação que está sendo estruturada? Está sendo otimizado o processo de desenvolvimento de mercado? Como estão sendo precificadas estas operações? Qual é o volume de ativos sendo comprometido? Existe um monitoramento efetivo e transparente do desempenho destas operações?

Estas são perguntas fundamentais em função do tipo de operação que, inicialmente, parece estar sendo favorecida para a captação de recursos via venda de dívida ativa. A CPS emitiu múltiplas séries de debêntures, as quais foram estruturadas de forma a emular uma ordem de senioridade entre elas com relação aos seus respectivos direitos de recebimento de pagamentos oriundos da parte da dívida ativa adquirida pela empresa estadual. Por outro lado, uma operação, envolvendo dívida ativa do município de Nova Iguaçu (RJ), de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) NP vem a tempos tentando ser estruturada, sem que tenha ainda ocorrido o registro do fundo na CVM. Tal contraste em relação ao sucesso de efetivação de cada operação, infelizmente, tende a ser, por enquanto, má notícia para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.

O FIDC é o principal veículo de securitização do mercado brasileiro, oferecendo um histórico evolutivo de quase quinze anos e dimensão e diversidade de mercado bastante relevantes no contexto da economia brasileira. Seu marco jurídico-regulamentar vem sendo desenvolvido em cima da experiência da prática de mercado, tendo avançado substancialmente ao longo do tempo, com destaque para os adventos das Instruções CVM nº 489/2011 e nº 531/2013. Ainda em 2006, a Instrução CVM nº 444 ampliou, em grande medida, as possibilidades de direitos creditórios a serem adquiridos por estes fundos, passando então a existir os chamados FIDC Não Padronizados (NP). Um tipo de direito creditório contemplado na ICVM n° 444 é aquele oriundo ou derivado de receitas de entes públicos. Mas neste caso, ainda segundo a norma, um parecer da Procuradoria do Ministério da Fazenda indicando que não se trata de operação de crédito para o ente público (por conta da Lei de Responsabilidade Fiscal) é necessário para obtenção de registro da operação junto à CVM. Em relação a este último ponto, vale apontar que um tratamento consistente por parte do regulador implicaria na exigência do mesmo parecer para qualquer operação de mercado de capitais envolvendo a venda de dívida ativa.

Esta semana a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou Projeto de Resolução do Senado (n° 26/ 2015) especificando que as operações de FIDC com lastro em recebíveis oriundos em parcelamento da dívida ativa, sem garantia dada pelo ente público que vende esta dívida, não são consideradas operações de crédito tal qual considerada na Lei de Responsabilidade Fiscal. No parecer do relator a própria operação do FIDC envolvendo a dívida ativa a favor do município de Nova Iguaçu (RJ) é citada.

Assim, voltando às perguntas iniciais deste artigo, qual seria o tipo de operação de captação de recursos para um ente público, através da venda de dívida ativa, que melhor se alinharia com o desenvolvimento do mercado de capitais? A razão de ser de um FIDC é a securitização de créditos performados, ou de fluxo financeiro. Os FIDC contam com vários sentinelas, sendo os principais seus administradores e custodiantes, que assumem responsabilidades amplas e bem definidas e que mitigam o risco de conflito de interesses. Entre elas se destaca a responsabilidade de publicação de demonstrações financeiras, em base mensal, trimestral e anual, contendo um vasto conjunto de dados tempestivos de composição e desempenho de carteira, lançamento de provisões contra perdas, balanço, rentabilidade, critérios adotados, notas explicativas e outras informações. Os FIDC se submetem a uma intensa prática de governança envolvendo frequentes assembleias de cotistas, cujas deliberações se tornam públicas com razoável celeridade. O FIDC é um dos poucos veículos normatizados para a prática do reforço de crédito da subordinação, sendo esta uma característica de destaque de seu funcionamento – a exigência da divulgação mensal de um eventual valor para provisões permite uma determinação mais acurada e dinâmica do nível de subordinação destas operações.

Na medida em que haja uma crescente necessidade de operações de venda de dívida ativa por parte de entes públicos, e na medida em que um veículo do mercado de capitais foi criado e aprimorado para a realização de operações de securitização que atendem da melhor forma possível interesses de captadores de recursos e de uma ampla base de investidores, não há porque não haver um encontro destes dois lados no espaço do mercado de capitais brasileiro. Do contrário seria um grande desperdício de esforços passados, juntamente com uma involução de mercado sujeita a surpresas potencialmente desagradáveis, principalmente para seus investidores.


1Este valor exclui as debêntures adquiridas pelo próprio estado de São Paulo.
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