Por Rubens Vidigal Neto, Allan Crocci de Souza e Victoria Cabral de Melo

O mercado de capitais, por meio de operações de securitização de dívida ativa, pode ser uma interessante fonte aos entes federativos para a captação de recursos. Porém, decisão desarrazoada do TCU tem impedido o uso do veículo mais adequado para essas operações, o FIDC-NP.

Em um momento de crise econômica e de queda na arrecadação fiscal, os entes federativos têm buscado fontes alternativas de recursos. A captação via mercado de capitais, por meio de operações de securitização de dívida ativa, é uma das alternativas que tem ganhado espaço. Ocorre que decisão desarrazoada do Tribunal de Contas da União (TCU) tem impedido o aproveitamento de todo o potencial dessa alternativa, ao vedar o uso de fundos de investimento em direitos creditórios não-padronizados (FIDC-NP) para realização de tais operações.

A dívida ativa é composta por créditos, predominantemente de natureza tributária, que não foram quitados por devedores da administração pública. De acordo com a Prestação de Contas da Presidência da República referente a 2015, o estoque desses créditos de titularidade da União (sem considerar Estados e municípios) superava R$ 1,58 trilhão, o que dá uma ideia do potencial desse mercado.

Na operação de securitização, o ente federativo cede créditos da dívida ativa a um veículo de securitização, o qual, por sua vez, emite junto a investidores valores mobiliários cujos pagamentos estarão vinculados ao recebimento dos créditos adquiridos. Em contrapartida, o veículo de securitização paga à vista pela cessão, gerando ao ente federativo a liquidez que somente seria auferida quando do recebimento dos valores relativos aos créditos cedidos.

No Brasil, os veículos de securitização mais utilizados para esse fim são o FIDC-NP e a sociedade anônima constituída com propósito específico (SPE).

Em comparação à SPE, da perspectiva do investidor, o FIDC-NP apresenta vantagens significativas, como a de estar desvinculado do ente federativo cedente e de ser regulado e fiscalizado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ainda, a administração e custódia do FIDC-NP devem ser desempenhadas por instituições reguladas e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil (BCB) e pela CVM, conforme regras que vêm sendo aperfeiçoadas na última década. Há, por exemplo, a obrigação de verificação periódica do lastro dos créditos, do acompanhamento do desempenho da carteira, e de divulgação do resultado desse acompanhamento e de outras informações aos cotistas. Também há regras que buscam mitigar o risco de conflito de interesses.

Uma SPE, por sua vez, não está submetida à regulação por parte da CVM e tampouco tem a obrigação de contratar entidade regulada pelo BCB ou pela CVM para auxiliá-la no desempenho dessa atividade.

Apesar das vantagens descritas acima, a utilização do FIDC-NP está atualmente vedada, em razão de decisão do TCU no processo em que se analisou securitização de dívida ativa do município de Nova Iguaçu (RJ). Nessa operação, havia coobrigação do município sem que tivesse sido obtida autorização específica do Ministério da Fazenda (MF), conforme exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A assunção de compromisso financeiro por parte do ente federativo faz com que as estruturas de securitização de dívida ativa se enquadrem no conceito de operação de crédito da LRF e, por esse motivo, necessitem de autorização do MF.

Por outro lado, a securitização não se caracteriza como operação de crédito nas estruturas em que, com a cessão, o risco de inadimplência dos créditos passe a ser assumido exclusivamente pelo veículo de securitização e, por consequência, pelos investidores. Esse é, inclusive, o entendimento já manifestado em pareceres da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Ao analisar o caso do FIDC-NP de Nova Iguaçu, em dezembro de 2014, o TCU identificou corretamente que a autorização do MF não havia sido obtida. Porém, em um exemplo claro de ausência da adequada reflexão sobre a repercussão de sua decisão, determinou à CVM que suspendesse não apenas o registro daquele fundo, mas sim de qualquer FIDC-NP que pudesse adquirir créditos decorrentes de receitas públicas.

A decisão do TCU não impediu novas operações de securitização de dívida ativa. Porém, e possivelmente de forma inversa ao que se pretendia, o efeito da decisão do TCU foi gerar a migração dessas operações de securitização dos FIDC-NP para as SPE, que, conforme apresentado acima, estão submetidas a menos controles e expõem os investidores a maiores riscos.

Para correr maiores riscos, é natural que se exija maiores retornos. Sendo assim, outra provável consequência da decisão do TCU foi a de elevar o custo de captação de recursos pelos entes federativos. Torna-se, portanto, salutar a reforma da decisão do TCU, o que permitiria aos entes federativos, assim como aos agentes financeiros envolvidos nesse tipo de operação, melhor explorar o potencial dessa importante alternativa de captação de recursos.

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