Marcelo Cosac, Danilo Pasquantonio e Eduardo Castanheira
A
contratação conhecida como “built to suit”, que com o advento da Lei nº
12.744/12 passou a receber a denominação em língua portuguesa de “contrato de
construção ajustada”, apresenta-se como solução cada vez mais procurada no
dinâmico e concorrido mercado empresarial brasileiro como meio de
desmobilização de capital, juntamente com o “sale and leaseback”, permitindo às
empresas empregar tais recursos no desenvolvimento de suas atividades fim.
O “built to suit” pode ser caracterizado, com poucas variações, pela celebração de negócio jurídico complexo em que uma parte, contratante, contrata outra parte, contratada, para adquirir imóvel que atenda às suas necessidades operacionais específicas, e sobre este imóvel promova a construção ou a adequação das instalações existentes, de forma a disponibilizá-las à contratante, que a utilizará mediante o pagamento de contraprestação acertada entre as partes, por período suficiente para remunerar a contratada e ressarcir os investimentos realizados no imóvel. Essa modalidade de contratação usualmente requer aporte de elevados recursos pela contratada, cuja captação muitas vezes se dá por meio do mercado de capitais.
A contratação na forma do “built to suit”, como visto, compreende elementos contratuais de prestação de serviço, aquisição de imóvel, empreitada e locação. Trata-se, assim, de contrato atípico, isso porque “não é a circunstância de ter uma designação própria (nomen iuris) que preleva, mas a tipicidade legal”[i]. Ou seja, um contrato será típico quando suas regras disciplinares estiverem descritas e especificadas na lei. As demais avenças, oriundas das mais diversas relações jurídicas desenvolvidas em sociedade e não enquadradas nas espécies contratuais previstas na legislação, serão formalizadas por contratos atípicos.
A referida classificação tem grande relevância prática, especialmente para os contratos “built to suit”, pois são determinantes para a interpretação de quaisquer contratos pelos diversos intérpretes, em especial pelo Poder Judiciário.
As avenças contratuais típicas já têm um molde e uma regulamentação expressa para sua constituição, forma, efeitos e extinção. Já possuem um padrão, que será, via de regra, respeitado e utilizado em sua interpretação e aplicação prática. Por outro lado, os contratos atípicos são fruto da liberdade privada de pactuar e subordinam-se, tão somente, às regras genéricas dos negócios jurídicos. São, portanto, moldáveis, podendo ser adaptados às diferentes situações fáticas, dentro dos limites legais.
Sendo assim, ao se observar a regra que o contrato deve ser analisado em seu todo, resta clara a distinção da contratação na modalidade “built to suit” de simples relação locativa.A Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991 (“Lei nº 8.245/91”), estabelece as regras a serem observadas em uma avença locatícia urbana, seja ela residencial ou não residencial, elencando direitos e obrigações dos locadores e locatários. Na locação regida pela Lei nº 8.245/91, o aluguel corresponde à contraprestação pelo uso do imóvel.
Na contratação na modalidade “built to suit”, uma vez superada a fase de construção, a relação que se estabelece entre as partes é, inegavelmente, muito próxima de uma relação locativa, inclusive tratando-se, usualmente, da fase mais longa dentro do prazo contratual. Contudo, na contratação “built to suit”, a remuneração devida não é simplesmente o aluguel pelo uso do bem imóvel, mas sim contraprestação pelos serviços prestados e investimentos realizados pela contratada para, inclusive, atender às especificações determinadas pela parte contratante na realização da edificação, sendo esta remuneração diferenciada essencial à caracterização desta modalidade contratual. Somente por meio do recebimento de todo o fluxo locativo o empreendimento é financeiramente viável, seja para remunerar o empreendedor, seja para garantir o devido pagamento de eventual operação financeira, cujo lastro seja os recebíveis decorrentes da locação “built to suit”, como, por exemplo, uma securitização de créditos imobiliários.
Nesse contexto, a problemática quanto à aplicação do regramento da Lei nº 8.245/91 aos contratos “built to suit” consistia em três pontos principais, sendo: (i) a previsão na referida lei da possibilidade de revisão do valor do aluguel após 3 (três) anos de vigência do contrato, para adequar o valor pago à situação de mercado, o que poderia afetar a essência do contrato, uma vez que a remuneração não corresponde somente ao uso do bem; (ii) a limitação das garantias a uma das elencadas na referida lei, o que poderia enfraquecer a estrutura usualmente empregada em operações “built to suit”; e, por fim, (iii) a estipulação de multa contratual que ficou sedimentada, jurisprudencialmente, em 3 (três) aluguéis, o que poderia comprometer o ressarcimentos do investimento realizado na adequação da edificação às peculiaridades da atividade da contratante, na hipótese de eventual rescisão contratual (em virtude de inadimplemento) ou denúncia espontânea pela locatária.
Na prática, com os primeiros casos de “built to suit” chegando à análise do Poder Judiciário, verificou-se que alguns juízes deixaram de reconhecer a atipicidade desta modalidade contratual e acabaram por prolatar decisões em que foram aplicadas aos contratos “built to suit” as regras da Lei nº 8.245/91, algumas dessas decisões, inclusive, negando eficácia à disposição de renúncia das partes ao direito de pleitear a ação revisional[ii]. Essas decisões acabaram por gerar receio na utilização dessa modalidade de contratação por parte do mercado empresarial.
Não obstante essas decisões em contrário, mesmo antes do advento da Lei nº 12.744/12, já existia entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de que o “built to suit” não é puramente uma locação de imóvel, dadas suas características peculiares, pelo que não poderia se submeter exclusivamente ao regime da Lei nº 8.245/91[iii].
A Lei nº 12.744, de 19 de dezembro de 2012 (“Lei nº 12.744/12”), alterou dispositivos da Lei nº 8.245/91, passando esta a tratar expressamente dos contratos de construção ajustada.
A Lei nº 12.744/12 acrescentou o artigo 54-A à Lei nº 8.245/91, para prever que, “na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo”.
Pela inclusão do artigo 54-A, parágrafo 1º, a Lei nº 8.245/91 passa a prever expressamente a possibilidade de renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de construção ajustada.
Ademais, em caso de denúncia antecipada dos referidos contratos de construção ajustada, será devida pelo locatário a multa contratual livremente convencionada, que estará limitada à soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação, não mais restando qualquer dúvida quanto a não aplicabilidade a esta modalidade contratual da multa aplicável às locações tradicionais regidas pela Lei nº 8.245/91.
Importante ressaltar, contudo, que as alterações implementadas pela Lei nº 12.744/12 não parecem ser conflitantes com a própria Lei 8.245/91, que já prevê tratamento diferenciado a relações locatícias específicas, como, por exemplo, as relações entre lojistas e empreendedores de shopping center.
Por todo aqui exposto, podemos afirmar que as alterações trazidas pelo advento da Lei nº 12.744/12 eliminam, em definitivo, qualquer dúvida a respeito da força contratual das obrigações estabelecidas em um contrato “built to suit” e reconhecem o caráter intuitu personae desta modalidade de locação. Os contratos “built to suit” ganham, portanto, com a nova lei, a segurança jurídica desejada para as operações envolvendo esta espécie de contratação.
O “built to suit” pode ser caracterizado, com poucas variações, pela celebração de negócio jurídico complexo em que uma parte, contratante, contrata outra parte, contratada, para adquirir imóvel que atenda às suas necessidades operacionais específicas, e sobre este imóvel promova a construção ou a adequação das instalações existentes, de forma a disponibilizá-las à contratante, que a utilizará mediante o pagamento de contraprestação acertada entre as partes, por período suficiente para remunerar a contratada e ressarcir os investimentos realizados no imóvel. Essa modalidade de contratação usualmente requer aporte de elevados recursos pela contratada, cuja captação muitas vezes se dá por meio do mercado de capitais.
A contratação na forma do “built to suit”, como visto, compreende elementos contratuais de prestação de serviço, aquisição de imóvel, empreitada e locação. Trata-se, assim, de contrato atípico, isso porque “não é a circunstância de ter uma designação própria (nomen iuris) que preleva, mas a tipicidade legal”[i]. Ou seja, um contrato será típico quando suas regras disciplinares estiverem descritas e especificadas na lei. As demais avenças, oriundas das mais diversas relações jurídicas desenvolvidas em sociedade e não enquadradas nas espécies contratuais previstas na legislação, serão formalizadas por contratos atípicos.
A referida classificação tem grande relevância prática, especialmente para os contratos “built to suit”, pois são determinantes para a interpretação de quaisquer contratos pelos diversos intérpretes, em especial pelo Poder Judiciário.
As avenças contratuais típicas já têm um molde e uma regulamentação expressa para sua constituição, forma, efeitos e extinção. Já possuem um padrão, que será, via de regra, respeitado e utilizado em sua interpretação e aplicação prática. Por outro lado, os contratos atípicos são fruto da liberdade privada de pactuar e subordinam-se, tão somente, às regras genéricas dos negócios jurídicos. São, portanto, moldáveis, podendo ser adaptados às diferentes situações fáticas, dentro dos limites legais.
Sendo assim, ao se observar a regra que o contrato deve ser analisado em seu todo, resta clara a distinção da contratação na modalidade “built to suit” de simples relação locativa.A Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991 (“Lei nº 8.245/91”), estabelece as regras a serem observadas em uma avença locatícia urbana, seja ela residencial ou não residencial, elencando direitos e obrigações dos locadores e locatários. Na locação regida pela Lei nº 8.245/91, o aluguel corresponde à contraprestação pelo uso do imóvel.
Na contratação na modalidade “built to suit”, uma vez superada a fase de construção, a relação que se estabelece entre as partes é, inegavelmente, muito próxima de uma relação locativa, inclusive tratando-se, usualmente, da fase mais longa dentro do prazo contratual. Contudo, na contratação “built to suit”, a remuneração devida não é simplesmente o aluguel pelo uso do bem imóvel, mas sim contraprestação pelos serviços prestados e investimentos realizados pela contratada para, inclusive, atender às especificações determinadas pela parte contratante na realização da edificação, sendo esta remuneração diferenciada essencial à caracterização desta modalidade contratual. Somente por meio do recebimento de todo o fluxo locativo o empreendimento é financeiramente viável, seja para remunerar o empreendedor, seja para garantir o devido pagamento de eventual operação financeira, cujo lastro seja os recebíveis decorrentes da locação “built to suit”, como, por exemplo, uma securitização de créditos imobiliários.
Nesse contexto, a problemática quanto à aplicação do regramento da Lei nº 8.245/91 aos contratos “built to suit” consistia em três pontos principais, sendo: (i) a previsão na referida lei da possibilidade de revisão do valor do aluguel após 3 (três) anos de vigência do contrato, para adequar o valor pago à situação de mercado, o que poderia afetar a essência do contrato, uma vez que a remuneração não corresponde somente ao uso do bem; (ii) a limitação das garantias a uma das elencadas na referida lei, o que poderia enfraquecer a estrutura usualmente empregada em operações “built to suit”; e, por fim, (iii) a estipulação de multa contratual que ficou sedimentada, jurisprudencialmente, em 3 (três) aluguéis, o que poderia comprometer o ressarcimentos do investimento realizado na adequação da edificação às peculiaridades da atividade da contratante, na hipótese de eventual rescisão contratual (em virtude de inadimplemento) ou denúncia espontânea pela locatária.
Na prática, com os primeiros casos de “built to suit” chegando à análise do Poder Judiciário, verificou-se que alguns juízes deixaram de reconhecer a atipicidade desta modalidade contratual e acabaram por prolatar decisões em que foram aplicadas aos contratos “built to suit” as regras da Lei nº 8.245/91, algumas dessas decisões, inclusive, negando eficácia à disposição de renúncia das partes ao direito de pleitear a ação revisional[ii]. Essas decisões acabaram por gerar receio na utilização dessa modalidade de contratação por parte do mercado empresarial.
Não obstante essas decisões em contrário, mesmo antes do advento da Lei nº 12.744/12, já existia entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo de que o “built to suit” não é puramente uma locação de imóvel, dadas suas características peculiares, pelo que não poderia se submeter exclusivamente ao regime da Lei nº 8.245/91[iii].
A Lei nº 12.744, de 19 de dezembro de 2012 (“Lei nº 12.744/12”), alterou dispositivos da Lei nº 8.245/91, passando esta a tratar expressamente dos contratos de construção ajustada.
A Lei nº 12.744/12 acrescentou o artigo 54-A à Lei nº 8.245/91, para prever que, “na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo”.
Pela inclusão do artigo 54-A, parágrafo 1º, a Lei nº 8.245/91 passa a prever expressamente a possibilidade de renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de construção ajustada.
Ademais, em caso de denúncia antecipada dos referidos contratos de construção ajustada, será devida pelo locatário a multa contratual livremente convencionada, que estará limitada à soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação, não mais restando qualquer dúvida quanto a não aplicabilidade a esta modalidade contratual da multa aplicável às locações tradicionais regidas pela Lei nº 8.245/91.
Importante ressaltar, contudo, que as alterações implementadas pela Lei nº 12.744/12 não parecem ser conflitantes com a própria Lei 8.245/91, que já prevê tratamento diferenciado a relações locatícias específicas, como, por exemplo, as relações entre lojistas e empreendedores de shopping center.
Por todo aqui exposto, podemos afirmar que as alterações trazidas pelo advento da Lei nº 12.744/12 eliminam, em definitivo, qualquer dúvida a respeito da força contratual das obrigações estabelecidas em um contrato “built to suit” e reconhecem o caráter intuitu personae desta modalidade de locação. Os contratos “built to suit” ganham, portanto, com a nova lei, a segurança jurídica desejada para as operações envolvendo esta espécie de contratação.
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Artigo escrito por
Marcelo Cosac, Sócio
+55 (11) 2504 4635
mcosac@mayerbrown.com
Danilo Pasquantonio, associado
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mcosac@mayerbrown.com
Eduardo Castanheira, associado
+55 (11) 2504 4631
mcosac@mayerbrown.com
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Danilo Pasquantonio, associado
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[i] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de
Direito Civil. Editora Forense. 2011– Pg. 52
[ii] TJSP – Apelação com Revisão, 992.08.037348-7, Des. Vanderci Alvares, 04/05/2011
[iii] TJSP, Apelação com revisão, 992.08.037348-7, Des. Antonio Benedito Ribeiro Pinto, 04/05/2011
[ii] TJSP – Apelação com Revisão, 992.08.037348-7, Des. Vanderci Alvares, 04/05/2011
[iii] TJSP, Apelação com revisão, 992.08.037348-7, Des. Antonio Benedito Ribeiro Pinto, 04/05/2011