Este artigo foi produzido por Leisa Souza, Head para América Latina, e Marina Barki, Gerente de Relações Institucionais da Climate Bonds Initiative, parceira da Uqbar

A Cédula de Produto Rural Verde (CPR Verde), instituída pelo Decreto no 10.828, de 1º de outubro de 2021, é o mais novo título do agronegócio. O instrumento é inovador, pois cria um mecanismo que remunera o produtor rural pela preservação e pela recuperação de florestas nativas. Apesar da CPR convencional, assim como outros títulos do agronegócio, poder ser rotulada ou certificada como verde (seguindo padrões como os da Climate Bonds Initiative), a recém-criada CPR Verde representa um avanço para o financiamento de uma agricultura sustentável, pois também sinaliza a investidores as atividades passíveis de investimento, vinculadas a ativos florestais.

A emissão de títulos de dívida rotulados como verdes pelo setor agropecuário brasileiro possui grande potencial de crescimento ainda não explorado, e a CPR Verde pode alavancar novas operações no mercado financeiro verde. O relatório mais recente da Climate Bonds Initiative dedicado a emissões do setor (até fevereiro de 2021), intitulado “Análise do Mercado de Finanças Sustentáveis da Agricultura no Brasil”, aponta que 27% das emissões verdes do país, por volta de US$ 2,4 bilhões, foram destinadas a atividades do setor do uso da terra. Dentre essas emissões, não houve operações totalmente dedicadas à preservação e à recuperação florestal.

Um dos desafios observados para a estruturação de títulos destinados à preservação florestal é a geração de receita para repagamento. Isso explica o baixo número de emissões globais, bem como no Brasil, voltadas a esse tipo de atividade. Embora a CPR Verde ainda dependa de outras normas infralegais para detalhar como será operacionalizada, ela se torna um importante instrumento financeiro para a preservação florestal ao facilitar a conexão entre o produtor, que detém ativos florestais, e investidores que buscam um impacto ambiental e climático positivo. O novo título abre oportunidades para produtores rurais acessarem o mercado de capitais e receberem pelos serviços ambientais prestados.

Uma nova faceta

A rotulagem verde de instrumentos financeiros de dívida convencionais do mercado brasileiro - como o CRA para o agronegócio - facilitou, nos últimos dois anos, a atração de fontes alternativas de capital que priorizam investimentos mais resilientes e de baixo carbono. Isso não será diferente com a CPR Verde.

A CPR já é um instrumento difundido e conhecido pelos produtores e pelo mercado. Foi criada em 1994 com a finalidade de custear diversas atividades, como a aquisição de insumos ou de produtos, ou o financiamento da produção. A sua nova faceta verde apenas delimita os produtos elegíveis para o lastro da emissão, seguindo os mesmos padrões de emissão da CPR convencional, já conhecidos. Além disso, como a CPR convencional, a CPR Verde também pode ser utilizada como lastro nas emissões de CRAs.

Por exemplo, a emissão do CRA Verde da Rizoma Agro, pela Ecoagro, foi lastreada na CPR-F emitida pela Rizoma em favor da Ecoagro com o penhor de safra como garantia. Os recursos levantados serão usados pela Ecoagro para pagar a CPR da Rizoma que, por sua vez, usará os recursos para financiar investimentos na produtividade e na sua safra. Na CPR Verde, os recursos levantados deverão ser usados para preservação florestal e serviços ambientais gerados.

Outro aspecto relevante da CPR Verde é a comprovação da preservação florestal. A emissão da CPR Verde deve ser acompanhada por uma certificação por auditoria externa ou de terceira parte para a identificação dos produtos rurais que a lastreiam. A certificação validará a mensuração dos serviços ambientais propostos, ou seja, a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), manutenção ou aumento do estoque de carbono florestal, redução do desmatamento, conservação da biodiversidade, recursos hídricos ou do solo, ou outros benefícios ecossistêmicos.

Melhores práticas do mercado

Ainda que existam detalhes da CPR Verde a serem definidos pelo mercado, já existem boas práticas e processos que podem facilitar o enquadramento de atividades elegíveis e viabilizar operações estruturadas. Um exemplo de boas práticas são os Princípios para Títulos Verdes da Associação Internacional dos Mercados de Capitais (ICMA), que definem processos importantes para integridade do mercado, como transparência, divulgação, relatórios anuais e verificação externa.

Outros exemplos são a taxonomia e o critério florestal da Climate Bonds Initiative (CBI), que define indicadores e métricas mensuráveis para ativos de conservação e preservação. Os critérios da CBI incluem requisitos para mitigação (das emissões de GEEs) e para adaptação (com foco no aumento da resiliência climática), que ajudam no enquadramento da elegibilidade dessas atividades como, por exemplo, a manutenção florestal por boas práticas e manejo, incluindo solo, água, controle e prevenção de queimadas, proteção de áreas ciliares, manejo de biodiversidade, seleção de espécies e uso de químicos. O alinhamento com o critério pode ser um primeiro caminho para abordar questionamentos que podem vir a surgir por parte de investidores que buscam o rótulo verde.

A verificação externa ou de terceira parte também é parte fundamental da emissão de títulos verdes ou rotulados, para assegurar as credenciais ambientais e climáticas dos ativos e projetos em questão. No Brasil, existem empresas que prestam esses serviços, tanto para rotulagem de títulos verdes, por meio de pareceres de segunda parte, quanto para certificação perante à Climate Bonds. A existência de um sistema robusto de verificação externa no país, junto com outros provedores de serviços que compõem o processo, tais como protocolos de medição para gases de efeito estufa, podem contribuir para o processo de comprovação previsto pela CPR Verde.

Um mercado promissor

A regulamentação da CPR Verde vem para complementar o rol de mecanismos de finanças sustentáveis, sinalizando a investidores acerca do seu lastro baseado na conservação florestal. Para o emissor, a possibilidade de ser remunerado financeiramente por seus esforços de conservação é um bom impulso para atrelar suas atividades a critérios ambientais, que se tornam indispensáveis.

Do lado do investidor, há aqueles que têm demandado produtos específicos voltados à preservação florestal, com transparência e monitoramento, o que torna o produto atrativo neste contexto. As emissões de CPR Verde certamente irão contribuir para o crescente mercado de títulos verdes no Brasil, que hoje chega a um valor acumulado de US$10,3 bilhões.

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