A primeira oferta pública que obteve registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2014 se refere a Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Este fato pode não ser significativo por si só em relação ao desempenho do mercado de securitização do agronegócio, mas o montante neste início de ano em ofertas de CRA, já registrada ou em análise, sob o regime da Instrução CVM nº 400 (ICVM 400), diz o bastante sobre a tendência recente de expansão desse segmento. A oferta registrada, em 6 de janeiro, corresponde à 10ª serie da 1ª emissão de CRA da Octante Securitizadora, a qual totaliza R$ 85,5 milhões. Somando-se à oferta de CRA da 1ª serie da 3ª emissão da Brasil Agrosec, esta ainda em análise na autarquia, que é avaliada em R$ 144,0 milhões, este pipeline de ofertas para 2014, de R$ 229,8 milhões, já representa 92,3% daquele registrado ao longo de todo o ano de 2013 e 123,9% daquele referente ao ano 2012, quando ocorreu a primeira oferta pública de CRA.

Figura 1 – Ofertas públicas de CRA registradas na CVM desde 2012 e ofertas atualmente em análise (em R$ milhões)*



 
É interessante observar que em relação ao comportamento do número de ofertas registradas a tendência se inverte entre 2012 e 2013. Enquanto naquele ano foram registradas quatro ofertas sob a chancela da ICVM 400, neste último esse número se reduziu para três. Porém, cabe aqui um outro ponto a se destacar. Nos anos de 2012 e de 2013 as ofertas foram registradas apenas no segundo semestre. Agora, em 2014, é a primeira vez que uma oferta de CRA é registrada nos primeiros meses do ano.  
 
A característica da sazonalidade, típica do perfil de produção do agronegócio, pode explicar uma maior concentração de operações financeiras no setor sendo lançadas em determinada parte do ano. Afinal de contas, os riscos de financiamento deste negócio sazonal poderão crescer proibitivamente na medida em que haja descasamento em relação ao início e ao fim de prazo deste financiamento e o respectivo ciclo sazonal de produção. Mas é justamente em relação a esta característica que a estrutura do CRA a ser emitido pela Octante merece uma análise mais detida. Buscando casar o prazo de investimento demandado por um potencial investidor de médio prazo (acima de um ano) com o de uma carteira lastro de direitos creditórios oriundos de financiamentos de curto prazo (abaixo de um ano), esta operação adota o conceito de revolvência destes direitos creditórios. Assim, o lastro da emissão vence em data anterior à do vencimento dos próprios CRA, sendo substituído por novos direitos creditórios.

Desta forma, tal qual uma outra operação desta natureza, também da Octante, já tratada em artigo específico no TLON, CRA com lastro de natureza rotativa tem registro concedido pela CVM, a 10ª série da 1ª emissão de CRA também conta com estrutura inovadora, marcando mais um passo em direção à adaptação das operações de securitização do agronegócio às particularidades deste setor.

Além da emissão da 10ª série, a do CRA sênior, está prevista também a emissão de uma série subordinada à sênior, a 11ª série, a do CRA Júnior, que será integralmente adquirida pela cedente da operação, a CCAB Agro, que será emitida em montante de no mínimo R$ 30,3 milhões. O lastro da operação é composto por direitos creditórios originados de operações de compra e venda mercantil a prazo realizadas entre a cedente e os devedores, tendo por objeto a comercialização de insumos agrícolas.

Apesar de ambas as séries do CRA terem vencimento em 30 de abril de 2015, existe previsão de que 70,0% dos direitos creditórios vinculados vençam em 30 de setembro de 2014, a partir de quando os CRA serão amortizados parcialmente. Contudo, a parcela restante tem vencimento previsto para abril ou maio de 2014, quando ocorre a colheita e venda da safra de produtos agrícolas por parte dos produtores rurais, clientes da cedente e efetivos devedores dos diretos creditórios vinculados. Com o fluxo advindo dessa parcela prevê-se, em junho, a aquisição de novos direitos creditórios do agronegócio, em montante suficiente para se vincularem aos CRA pelo período restante do título até a data de seu vencimento, por meio da "revolvência" dos créditos que lastreiam os CRA.

Para aquisição dos novos direitos creditórios serão observados os critérios de elegibilidade já constantes no Termo de Securitização e uma verificação do cumprimento dos critérios também será realizada pelo BNY Mellon, custodiante da transação. Além disso, tanto no momento da emissão como no momento da revolvência os direitos creditórios do agronegócio serão suficientes para o pagamento integral dos CRA. Todavia, caso a renovação dos direitos creditórios não ocorra, os CRA serão amortizados extraordinariamente na proporção dos recursos não utilizados na nova aquisição.

Por se tratar de uma operação envolvendo revolvência de direitos creditórios, à época da análise de sua respectiva oferta pela CVM houve questionamento sobre a possibilidade legal dos CRA fazerem uso desse conceito, tendo em vista que a Lei No 11.076, que dispõe sobre os títulos do agronegócio, não regula – e tampouco veda – a substituição do lastro dos CRA. Após ampla análise da operação pelas diversas áreas competentes da autarquia, a Procuradoria Federal Especializada junto à CVM concluiu que não havia possibilidade jurídica de revolvência dos direitos creditórios vinculados aos CRA, recomendando o indeferimento do pedido. Tal posicionamento, contudo, não foi acompanhado pelo relator do processo e nem pela área técnica da CVM, que ressaltou as características específicas do agronegócio além da possibilidade operacional de se realizar a revolvência de direitos creditórios em operações de securitização. O entendimento da área técnica e do relator foi o que vigorou entre os integrantes do colegiado da CVM, resultando na aprovação do pedido de registro de oferta pública da 10ª série da 1ª emissão de CRA da Octante.

*Estes números não incluem as ofertas de CRA sob o regime da Instrução CVM nº 476, chamado de regime de esforços restritos, sob o qual a maior parte das emissões de CRA foi ofertada em 2012 e 2013.
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