Uma operação estruturada através de um Fundo de Investimento em Direito Creditório (FIDC), para o financiamento de duas usinas de álcool, rapidamente se deteriorou resultando em perda total do valor patrimonial das cotas subordinada e sênior do fundo. O lastro da estrutura era composto por direitos creditórios decorrentes da vendas futuras de álcool à BR Distribuidora. O produto, no entanto, nunca foi entregue à estatal.

Trata-se de uma operação que demorou para ser estruturada e que, quando finalmente iniciou seu processo de captação, aparentemente se perdeu na gestão do seu fluxo de caixa. O FIDC Comanche Clean Energy Mercantis (FIDC Comanche) foi registrado na CVM em 15/01/2010. O objetivo do financiamento via venda de ativos para um FIDC era dar sustentabilidade de capital de giro para duas usinas de álcool no estado de São Paulo, a Usina Canitar e a Usina Santa Anita. As duas unidades, juntamente com uma terceira na Bahia, são, através de intermediárias, 100% pertencentes à controladora Comanche Clean Energy Corporation (Comanche Corporation), com sede nas Ilhas Cayman e propriedade de vários fundos-hedge e fundos de bancos estrangeiros. As usinas tinham um passivo fiscal, com fornecedores de cana-de-açúcar e com o BicBanco, sendo que mais do que 50,0% dos recursos que as mesmas almejavam captar através do FIDC, um total de R$ 80,0 milhões, seriam direcionados para a amortização ou liquidação deste passivo.

A primeira cessão de direitos creditórios adquiridos pelo fundo das usinas, se referia a contratos de venda de álcool entre as usinas e a BR Distribuidora. Estes contratos podiam ser rescindidos por ambas as partes anualmente ou em outras circunstâncias não esperadas, como por exemplo a não entrega do álcool, neste caso pela BR Distribuidora. De qualquer forma os direitos creditórios tem a coobrigação das cedentes e da Comanche Corporation.

Em maio de 2010, após um trabalho de análise de fluxo de caixa feito pela Deloitte e uma estruturação da operação pela Cedrus Investimentos, que contou com a assessoria jurídica do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados , iniciou-se a distribuição do fundo, coordenada pelo NSG. Entre junho e outubro de 2010 o fundo captou R$ 45,0 milhões através da emissão de cotas sênior, títulos que foram comprados por alguns poucos fundos de pensão e uma instituição vinculada a um governo municipal. Estes recursos então foram utilizados para adquirir, juntamente com a emissão de cotas subordinadas, os direitos creditórios cedidos pelas usinas.

Com o passar do tempo e com a ausência do início da geração de fluxo de recebíveis a serem vendidos para a BR Distribuidora, o administrador do fundo, a Oliveira Trust, cumprindo suas funções, passou a provisionar contra perdas. Em novembro de 2010 mais de R$ 32,0 milhões foram alocados para Provisão Para Devedores Duvidosos (PDD). A partir daquele mês a captação cessou completamente, ficando R$ 35,0 milhões menor do que originalmente planejada.

Os R$ 45,0 milhões captados parecem ter sido majoritariamente gastos com o passivo pré-existente das usinas e, residualmente, com a manutenção operacional em pequena escala das mesmas. Entretanto, o álcool que ainda foi produzido foi vendido no mercado spot, para geração de caixa imediato, de acordo com relatório da agência de classificação de risco LF. O caixa resultante não foi repassado para o fundo.

A partir de novembro de 2010 o nível alocado de PDD passou a subir ininterruptamente, até atingir o valor equivalente a 100,0% dos direitos creditórios do fundo em abril de 2011. Ou seja, o valor patrimonial tanto das cotas subordinadas como das sênior foi reduzido a zero, o que levou menos de seis meses para acontecer após o último mês em que houve captação .

A análise do regulamento do FIDC Comanche leva a conclusão de que o risco para o investidor das cotas sênior do fundo era preponderantemente um risco de crédito do cedente. A análise de risco de uma operação de securitização de fluxo futuro, quando de fato a estruturação da mesma é centrada na capacitação de geração de fluxo, tem seu foco preponderante nos aspectos de performance operacional do cedente. Mas a primeira cessão de direitos creditórios para o FIDC Comanche, conforme definição do regulamento, se limitava aos contratos com a BR Distribuidora. Desta forma, esta primeira cessão específica não contemplava fluxos eventuais para todo e qualquer outro comprador. O risco de performance então estava circunscrito às possibilidades de venda para a BR Distribuidora. Se não houvesse a venda para a BR Distribuidora, os cotistas sênior se transformariam, por conta da coobrigação das usinas e da Comanche Corporation, em credores, o que de fato ocorreu.

No mercado internacional, estruturas de fluxo futuro quando expostas a esse risco muitas vezes acabam transmutando-se e seus investidores passam de uma posição de donos de um fluxo futuro de pagamentos para a de credores da empresa responsável pela geração dos produtos ou serviços cujo pagamento foi cedido ao fundo. É exatamente essa a posição em que se encontram os cotistas do FIDC Comanche, que têm realizado assembleias procurando formalizar um Termo de Compromisso por parte da Comanche Corp. Neste novo papel, atrás do retorno de seus investimentos, buscam alguma forma de viabilizar a operacionalização das usinas ou de vendê-las. Do outro lado da mesa de negociação estarão os sócios da Comanche, na sua maioria os fundos estrangeiros.

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