No último dia 10 de setembro terminou o prazo para encaminhamento de sugestões e comentários por parte daqueles interessados em participar da audiência pública referente à proposta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de alteração da Instrução CVM nº 356 (ICVM 356) e da Instrução CVM nº 400. A ICVM 356 regulamenta a constituição e o funcionamento de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).

A proposta da CVM se refere a atribuições dos prestadores de serviços dos FIDC, e suas alterações e adições, se confirmadas pela autarquia, implicarão em mudanças estruturais de impacto no setor de FIDC. Como de praxe quando se trata do mercado de securitização, a Uqbar participou desta audiência pública enviando seus comentários e sugestões, os quais são disponibilizados abaixo para os assinantes do Orbis:

Em relação à Instrução CVM nº 356:

  1. Quanto às informações adicionais de Regulamento, à responsabilidade de validação e ao tipo de enquadramento pertinentes às condições de cessão, quando estas existirem, contemplados nas adições ao art. 24:

  2. A Uqbar entende que não há porque haver diferença entre o nível de exigências referentes aos critérios de elegibilidade e às condições de cessão. Assim, conforme propõe a minuta, visando mitigar a possibilidade de arbitragem regulatória, concordamos com a instituição de processos de controle similares, incluindo a atribuição precisa de responsabilidades relacionadas, aplicáveis aos critérios de elegibilidade e às condições de cessão. Concordamos também que se deva definir como critério de elegibilidade todo atributo de direito creditório que possa ser validado pelo responsável pelo processo de validação em relação aos critérios de elegibilidade.

    Porém, entendemos que o responsável por essa função não deva ser obrigatoriamente o custodiante, e neste sentido discordamos da própria ICVM nº 356, em seu artigo 38, inciso II.

    A validação dos direitos creditórios em relação aos critérios de elegibilidade pode ser considerada uma função de natureza administrativa e, nesse sentido, poderia ser realizada, em muitos casos, pelo administrador. A Uqbar avalia que a prática de mercado tem concentrado um número desproporcionalmente grande de funções e responsabilidades nas mãos do custodiante e relegado um papel relativamente menos atuante ao administrador. Desta forma, consistente com o objetivo da CVM de se instituir gatekeepers fortes e independentes, favorecemos a ideia de se manter uma flexibilidade quanto a definição do responsável pela validação dos direitos creditórios em relação aos critérios de elegibilidade. Este aspecto torna-se mais relevante a partir da proposta desta minuta de vedar a atuação em um FIDC de um administrador e de um custodiante pertencentes ao mesmo grupo econômico, a qual poderia gerar uma independência ilusória entre estes participantes, dependendo da força de mercado de cada um, conforme discutido no item VI abaixo.

  3. Quanto às definições das responsabilidades do Custodiante, no que tange os momentos de verificação do lastro, contempladas em alterações no art. 38:

  4. A Uqbar concorda que o custodiante deva verificar e validar o lastro quando da cessão do direito creditório ao fundo e, também, em prazo trimestral, mas não necessariamente em prazo menor que trimestral.

    Quando da cessão do direito creditório ao fundo é o momento crucial para se impedir a entrada, na carteira do fundo, de direitos creditórios que não satisfaçam os critérios de elegibilidade da política de investimento do fundo, evitando-se assim a contaminação indevida da carteira e a necessidade de se localizar tal direito creditório a posteriori e substitui-lo.

    Também em prazo trimestral, que no entendimento da Uqbar, se caracterizará como uma forma de dupla checagem, uma vez que os direitos creditórios supostamente já foram verificados e validados quando de sua cessão. Como este processo já ocorre no contexto dos requerimentos dos demonstrativos trimestrais, a Uqbar concorda com sua manutenção.

    Porém, salvo pela existência de evidências de que um processo de verificação e validação de lastro que ocorra em dois momentos, quando da cessão e trimestralmente, permaneça falível, consideramos que uma frequência maior que a trimestral para aqueles fundos com carteiras de recebíveis com prazo médio menor que três meses significaria custos adicionais não justificados.

    Visando uma atitude proativa, sugerimos o monitoramento pelo órgão regulador da implementação desta prática, nas frequências inicial (sempre que houver aquisição de direitos creditórios pelo fundo) e trimestral, para uma melhor avaliação da necessidade de se aumentar a frequência do processo de verificação e validação do lastro além daquelas acima sugeridas pela Uqbar.

  5. Quanto às definições das responsabilidades do Custodiante, no que tange à cobrança e o recebimento dos fluxos financeiros relativos aos direitos creditórios e outros ativos do fundo, contempladas em adições ao art. 38:

  6. A Uqbar concorda com a proposta regulamentar no sentido de se segregar os fluxos financeiros, pertencentes ao fundo e sob a responsabilidade do custodiante, do acesso por parte de outros participantes da estrutura da operação. A obrigação de que tais fluxos sejam depositados diretamente em contas de titularidade do fundo, ou em escrow accounts, é uma medida regulatória que mitiga os chamados riscos de comingling, presentes em algumas estruturas dos FIDC vigentes.

  7. Quanto às definições das responsabilidades do Custodiante, no que tange à possibilidade de contratação de prestadores de serviço para a verificação de lastro dos direitos creditórios e para a guarda da documentação, contempladas em adições ao art. 38:

  8. A Uqbar aplaude a proposta regulamentar de se expressamente vedar a possibilidade do originador/cedente ou do consultor e do gestor de exercerem as funções, na prática, de guarda física de documentação relativa aos direitos creditórios e de verificação de lastro, eliminando, assim, uma situação de conflito de interesses entre uma parte interessada e investidores do fundo. Ademais, a exigência da guarda de documentos em forma física e/ou digital, conforme expresso no próprio edital, mitiga o risco de fraude.

  9. Quanto à contratação de terceiros pelo Administrador, no que tange a cobrança de créditos inadimplidos e a atuação do Consultor, conforme contemplado em alterações no art. 39:

  10. A Uqbar concorda com a manutenção da possibilidade do consultor, e também do cedente, de atuarem na cobrança de créditos inadimplidos, entendendo que estes participantes muitas vezes são os melhores capacitados para trabalhar junto à recuperação destes créditos. Como a atuação destes participantes na cobrança dos créditos só ocorre a partir da inadimplência, ou seja, é uma função para recuperação de valor dos direitos creditórios, que, do contrário, poderão tender à perda total, o potencial para a existência do conflito de interesse com o investidor é em grande parte reduzido.

    Em relação ao papel menos protagonista e mais subsidiário reservado ao consultor pela proposta regulamentar, a Uqbar entende como uma iniciativa salutar, não só em relação à mitigação de conflito de interesses, mas também no que concerne à valorização da figura do gestor. Este participante frequentemente é relegado a um papel secundário e figurativo nestas estruturas, mas, pela proposta regulamentar, passaria a assumir um papel mais ativo, de real gestão.

  11. Quanto à contratação de terceiros pelo Administrador, no que tange a vedações, conforme contemplado em alterações no art. 39:

Em relação à proposta de que o administrador, o gestor, o consultor especializado e o custodiante ou partes a eles relacionadas não possam ceder direitos creditórios aos FIDC em que atuem, buscando assim reduzir as condições de conflito de interesse existentes nas estruturas onde o cedente origina para distribuir, a Uqbar concorda e aplaude a iniciativa, não faltando evidência empírica recente no mercado brasileiro que justifique esta alteração.

Em relação à proposta de que o custodiante e o administrador e o custodiante e o gestor não possam fazer parte do mesmo grupo econômico, de acordo com os objetivos expressos de se configurar a existência de dois gatekeepers independentes, buscando assim a melhor governança, a Uqbar entende que o aumento do número de gatekeepers é sempre salutar.

Porém, a Uqbar não teve acesso a evidências ou dados empíricos no mercado brasileiro que comprovem, além da dúvida razoável, a necessidade atual desta separação como condição para que se atinja o objetivo exposto. Ademais, a Uqbar desconhece qualquer estudo que avalie um processo de ajuste à norma proposta na minuta. Este ponto é relevante devido ao grau de relativa concentração no mercado de custodiantes no setor de FIDC e ao fato de que os líderes do mercado de custódia pertencem aos mesmos grupos econômicos de administradores e/ou gestores com participação significativa no mercado. Assim, a entrada em vigor da proposta da minuta ocasionará uma re-estruturação substancial entre os participantes da indústria de FIDC¹. Finalmente, é importante questionar até que ponto uma estrutura efetiva de dois gatekeepers independentes, nas figuras do administrador e do custodiante, é realisticamente factível no curto prazo no mercado brasileiro. Caso haja uma desproporção de força de mercado entre participantes no setor de FIDC, pode-se atingir uma situação de independência ilusória entre estes participantes.

A Uqbar vê na divulgação pública da informação de qualidade sobre as operações de securitização e, especificamente sobre os FIDC, a possibilidade da existência do mais efetivo gatekeeper dos investimentos em títulos de securitização, aquele representado pelo conjunto de usuários destas informações, pertencentes a diversos segmentos do mercado, com destaque para o de investidores. Por este motivo, e por este aspecto estar assim diretamente vinculado aos tópicos desta minuta, ressaltamos aqui a importância de se progredir do ponto de vista regulatório na forma e frequência nas quais estas informações são divulgadas, assim como na sua qualidade.

A Uqbar entende que esta sua posição é conhecida pela CVM, pois esteve presente em todas as suas respostas a editais anteriores cujo tema foi securitização, assim como em artigos publicados pela empresa no seu sistema de informação, o Orbis. Estes últimos, mais recentes, abordam tanto questões como formato e frequência de divulgação da informação, quanto aspectos da qualidade da informação.²

Finalmente, vale ressaltar que muitas das questões referentes à transparência e padronização referidas pela Uqbar foram recentemente incluídas em relatório divulgado recentemente pela Organização Internacional das Comissões de Valores (The International Organization of Securities Commissions - IOSCO) sobre o mercado de securitização.

O documento, elaborado por um grupo de trabalho multilateral formado por funcionários especialistas no assunto de diversos órgãos reguladores membros da organização, chama a atenção para a necessidade de aumentar a transparência e reconhece a relevância da padronização, as quais podem levar à redução da dependência do investidor junto às agências de classificação de risco, através da condução de seus próprios due diligences e do aumento da compreensão dos riscos associados aos investimentos nestes títulos, contribuindo assim para o desenvolvimento de melhores capacidades de análise e monitoramento in-house por estes investidores.


¹ Ver artigo “Prestadores de serviço para mercado de FIDC em alerta” publicado em 07/08/12 no Orbis.

² Por ordem cronológica: “Dados no novo Informe Mensal para FIDC geram dúvidas”, publicado em 02/12/11, “Novo Informe Mensal e Balancete de FIDC divergem quanto ao PDD”, de 05/06/12, “Cruzeiro do Sul e as questões abertas para o mercado de FIDC”, de 26/06/12 e “Valor diário da cota: Elementar meu caro Watson”, de 27/06/2012.

 

 

 

 

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